O Brasil ocupa uma posição desafiadora no cenário global de inovação, investindo apenas 1,3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D), enquanto países como Coreia do Sul e Israel superam 4%. Esse baixo investimento reflete-se em rankings globais, onde o país ainda luta para se destacar em inovação. As universidades brasileiras, por sua vez, têm um papel central, mas enfrentam barreiras significativas que limitam seu impacto.
Para falar sobre o tema, a Inovativos bateu um papo com o professor e chefe do departamento de tecnologia e ciência de dados da FGV, Eduardo de Rezende Francisco. Ele analisou os desafios, gargalos e oportunidades que permeiam o cenário de inovação no Brasil, destacando o papel crítico da academia e sugerindo caminhos para um futuro mais inovador. Confira a entrevista completa a seguir.
Inovativos – De acordo com um estudo da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (ANPEI), o Brasil investe apenas 1,3% do PIB em P&D, enquanto países como Coreia do Sul e Israel investem mais de 4%. Quais são os principais desafios que impedem o aumento desses investimentos no Brasil, especialmente no contexto acadêmico?
Eduardo de Rezende Francisco – Acredito que o baixo investimento do Brasil em P&D, especialmente no contexto acadêmico, é resultado de desafios estruturais como a falta de uma cultura robusta de inovação e integração entre academia e setor privado. As universidades enfrentam restrições orçamentárias, o que limita sua capacidade de inovar. Além disso, a burocracia e a ausência de incentivos para colaborações com empresas agravam a situação. Para mudar esse cenário, é necessário fortalecer políticas públicas que promovam a inovação e incentivem parcerias, além de melhorar o ambiente para a pesquisa e desenvolvimento no país. Incentivos para uma educação de formação básica e de formação executiva, que destaque os temas inovação e tecnologia de forma estratégica, devem fazer parte dessas políticas públicas. Mais ainda, mais incentivos para investimentos públicos e privados em inovação e tecnologia devem compor o cenário.
Inovativos – Um levantamento da Clarivate Analytics apontou que apenas três universidades brasileiras estão entre as 500 mais inovadoras do mundo. O que falta para que a academia brasileira possa competir de igual para igual em termos de inovação global?
Eduardo de Rezende Francisco – Para que a academia brasileira possa competir globalmente em inovação, é fundamental fortalecer as parcerias com o setor privado, investir em infraestrutura de pesquisa, e capacitar pesquisadores em áreas estratégicas. Além disso, é crucial reduzir a burocracia e adotar uma mentalidade mais orientada ao mercado, aplicando o conhecimento de forma prática para gerar impacto econômico e social. A formação da competência em inovação deve ser desenvolvida de forma transversal, refletindo-se, a médio prazo, na maneira como as organizações endereçam essa competência no contexto competitivo. A “cultura da inovação” deve se sobrepor à departamentalização do assunto nas organizações.
Inovativos – Segundo o Global Innovation Index de 2023, o Brasil ocupa a 54ª posição no ranking de inovação. Na sua opinião, qual é o papel das universidades na melhoria desse desempenho? Quais seriam as medidas mais eficazes para avançar no ranking?
Eduardo de Rezende Francisco – As universidades desempenham um papel crucial na melhoria da posição do Brasil no ranking de inovação, servindo como motores de P&D. Para avançar no ranking, é fundamental que as universidades ampliem suas parcerias com o setor privado, facilitando a transferência de tecnologia e a criação de startups inovadoras, como as apoiadas pelo programa PIPE da FAPESP, por exemplo. Esse tipo de financiamento, que não exige reembolso, tem sido essencial para que pequenas empresas brasileiras de inteligência artificial cresçam e se destaquem, como mostrado pelo aumento significativo de projetos PIPE na última década. Infelizmente, são poucas as agências de fomento no Brasil que conseguem manter uma constância e sustentabilidade em seus investimentos em tecnologia, inovação e inteligência artificial. Além disso, é necessário investir na capacitação de mão de obra especializada e na infraestrutura de pesquisa, criando um ambiente propício para a inovação. Reduzir a burocracia e promover a internacionalização das universidades são medidas-chave para integrar o Brasil a redes globais de inovação, permitindo que as universidades brasileiras se conectem com centros de excelência e apliquem o conhecimento gerado em soluções práticas e escaláveis.
Inovativos – Dados do Censo da Educação Superior de 2022 indicam que menos de 1% dos estudantes de graduação no Brasil estão matriculados em cursos de ciência e tecnologia. Como isso afeta a capacidade inovadora do país e o que pode ser feito para atrair mais jovens para essas áreas?
Eduardo de Rezende Francisco – A baixa matrícula de estudantes em cursos de ciência e tecnologia compromete seriamente a capacidade inovadora do Brasil, pois essas áreas são fundamentais para o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções. Com menos jovens se formando em disciplinas cruciais para a inovação, o país enfrenta uma escassez de profissionais qualificados para liderar projetos de P&D e para suprir as demandas de setores estratégicos, como inteligência artificial, biotecnologia e engenharia. Adiciono aí investimentos ainda incipientes mas que ganharão cada vez mais visibilidade pelo impacto social que trarão, como lawtechs, agritechs, healthtechs, agetechs (empresas que desenvolvem tecnologias e soluções voltadas para atender as necessidades da população idosa, buscando melhorar a qualidade de vida, saúde, e bem-estar desse grupo) e greentechs (tecnologias sustentáveis para combater as mudanças climáticas e promover a energia limpa).
Para atrair mais jovens para essas áreas, é necessário adotar uma abordagem multifacetada. Primeiro, é crucial investir em programas de conscientização desde o ensino médio, mostrando as oportunidades e o impacto positivo que carreiras em ciência e tecnologia podem proporcionar. Além disso, o fortalecimento de parcerias entre universidades e empresas pode oferecer estágios e programas de formação prática, conectando os estudantes com o mercado de trabalho desde cedo. Outras medidas incluem a ampliação de bolsas de estudo e incentivos financeiros para estudantes em áreas de alta demanda, além da modernização dos currículos acadêmicos para torná-los mais alinhados com as necessidades do mercado e as tendências globais de inovação.
Inovativos – O que a FGV EAESP tem feito nesse sentido?
Eduardo de Rezende Francisco – Na FGV EAESP, os temas inovação e tecnologia fundamentam o planejamento estratégico da instituição e se confundem com sua tradição e impacto na sociedade. Nos últimos anos, promovemos a Inteligência Artificial (IA) e a Ciência de Dados (CD) para um patamar de visibilidade muito forte, com a promoção do TechDay, maior evento anual presencial da instituição, e principalmente com a incorporação desses temas em nossos currículos. Entendemos que a literacia digital deve ser desenvolvida de forma ampla e irrestrita em diferentes formações, além de cursos de ciência e de tecnologia. O profissional de Administração de Empresas, de Administração Pública e de Accounting, por exemplo, deve ter as mesmas competências tecnológicas e digitais que os profissionais de outras áreas. Por isso criamos a área de concentração em CD&IA nos cursos de graduação e incorporamos esses conteúdos e práticas também nos cursos stricto sensu, de liderança e MBAs executivos.
Inovativos – Estudos da OCDE mostram que as colaborações entre universidades e empresas no Brasil são menos frequentes e menos eficazes do que em países desenvolvidos. Além disso, o Relatório de Competitividade Mundial 2023 do IMD revelou que o Brasil está em 45º lugar em ‘inovação científica’. Quais são os principais gargalos para a efetivação dessas parcerias e como podemos superá-los? Quais são as principais barreiras para que a academia brasileira possa contribuir de maneira mais expressiva para a inovação científica no país?
Eduardo de Rezende Francisco – As principais barreiras para a academia brasileira contribuir mais expressivamente para a inovação científica e estabelecer parcerias eficazes com empresas incluem a falta de financiamento contínuo, burocracia excessiva, e uma cultura limitada de inovação colaborativa. Além disso, há uma desconexão entre a pesquisa acadêmica e as necessidades do mercado, agravada pela escassez de incentivos fiscais e financeiros para colaboração. Superar esses desafios exige a simplificação de processos burocráticos, maior investimento em P&D, e a promoção de parcerias estratégicas que transformem a pesquisa em soluções práticas e inovadoras. O programa PIPE da FAPESP é um exemplo positivo de como o financiamento estratégico pode fortalecer essas colaborações. Na FGV EAESP, com nossos 20 centros de estudo e pesquisa, incluindo o Centro de Inovação e o FGVanalytics, buscamos impactar organizações privadas e públicas nas áreas de IA, tecnologia e inovação.
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Inovativos – Dados do World Economic Forum indicam que menos de 5% das patentes depositadas no Brasil são provenientes de universidades. O que pode ser feito para aumentar a participação acadêmica na geração de propriedade intelectual? Além disso, a pesquisa ‘Empresas e Universidades Brasileiras: Caminhos para a Inovação’ da CNI revelou que apenas 9% das empresas consideram as universidades como parceiras chave para inovação. Como podemos mudar essa percepção e aumentar a colaboração entre os setores?
Eduardo de Rezende Francisco – Para aumentar a participação acadêmica na geração de propriedade intelectual no Brasil, é essencial fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando um ambiente mais propício para a inovação conjunta. Programas como o PIPE da FAPESP são exemplos bem-sucedidos de como o financiamento estratégico pode fomentar a pesquisa aplicada e a criação de patentes, ao conectar o conhecimento acadêmico com necessidades reais do mercado. Além disso, é fundamental promover a cultura de inovação nas universidades, incentivando os pesquisadores a transformar suas ideias em produtos e serviços comercializáveis. A simplificação do processo de registro de patentes e a ampliação de incentivos fiscais para projetos de P&D também são medidas importantes para aumentar a produção de propriedade intelectual no país.
Inovativos – O Brasil está apenas na 56ª posição no ranking de competitividade global, enquanto países como Coreia do Sul e Israel ocupam as primeiras posições, muito devido à inovação. Como o Brasil pode acelerar o processo de inovação para melhorar sua posição nos rankings globais?
Eduardo de Rezende Francisco – Para o Brasil acelerar seu processo de inovação e melhorar sua posição nos rankings globais de competitividade, é necessário adotar uma abordagem multifacetada que inclua a modernização das políticas públicas, o fortalecimento das parcerias entre academia e setor privado, e a melhoria da infraestrutura de P&D. Investir na capacitação de mão de obra especializada em áreas estratégicas, como inteligência artificial e biotecnologia, também é crucial. Além disso, é fundamental simplificar a burocracia e ampliar os incentivos fiscais para projetos inovadores, criando um ambiente mais favorável para a inovação e o empreendedorismo. O Brasil também deve priorizar a internacionalização de suas universidades e empresas, conectando-se a redes globais de inovação para trocar conhecimento e tecnologias.
Inovativos – Pelo mundo fora vemos estudos e premiações bem sucedidas e que estimulam a inovação nos negócios. É o caso da Fast Company nos EUA, por exemplo. Qual é a sua avaliação sobre a importância destas iniciativas? A FGV tem se empenhado em contribuir para o fomento da inovação no mercado brasileiro. Cito como exemplo a participação da empresa no Estudo e Premiação Inovativos, realizado também em parceria com a Accenture e uma banca de jurados e especialistas setoriais. Sob o ponto de vista da academia, o que representa iniciativas como o prêmio Inovativos? De que maneira elas podem contribuir para o desenvolvimento de inovações dentro do ambiente acadêmico e qual o seu impacto para os negócios?
Eduardo de Rezende Francisco – Iniciativas como o Prêmio Inovativos e outras premiações similares desempenham um papel crucial no estímulo à inovação nos negócios, tanto no Brasil quanto no mundo. Elas servem como plataformas de reconhecimento e incentivo, destacando práticas inovadoras e oferecendo visibilidade para empresas que estão na vanguarda de suas áreas. A importância dessas iniciativas reside na sua capacidade de criar um ambiente competitivo saudável, onde a inovação é valorizada e recompensada, o que, por sua vez, motiva outras organizações a seguir o mesmo caminho.
A participação da FGV EAESP no Estudo e Premiação Inovativos, em parceria com a Accenture e uma banca de jurados especialistas, reflete o compromisso da academia em fomentar a inovação no mercado brasileiro. Sob o ponto de vista acadêmico, iniciativas como o Prêmio Inovativos são fundamentais para conectar a pesquisa e o desenvolvimento acadêmico com as necessidades reais do mercado. Elas criam um ecossistema em que o conhecimento gerado nas universidades pode ser aplicado de forma prática, promovendo a transferência de tecnologia e estimulando a criação de novas soluções e negócios.
Além disso, ao participar dessas premiações, a academia reforça sua relevância como um parceiro estratégico para as empresas, contribuindo para a geração de propriedade intelectual e o desenvolvimento de inovações que impactam diretamente a economia. O envolvimento em iniciativas como essa também permite que a academia se mantenha atualizada sobre as tendências e desafios do mercado, ajustando suas pesquisas e currículos para melhor preparar os profissionais do futuro.
Portanto, iniciativas como o Prêmio Inovativos não apenas celebram a inovação, mas também fortalecem a ponte entre academia e mercado, criando um ciclo virtuoso onde o conhecimento acadêmico se transforma em soluções práticas que beneficiam a sociedade como um todo. A FGV EAESP, ao colaborar com parceiros como a Accenture e a Inovativos, reafirma seu compromisso com a promoção da inovação, da tecnologia, da inteligência artificial e o desenvolvimento sustentável do Brasil, contribuindo para um futuro mais competitivo e inovador.