No último dia 30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu do Ministério de Ciência e Tecnologia o primeiro plano brasileiro de fomento à inteligência artificial, conhecido como IA para o bem de todos. Entre outras coisas, a proposta prevê o investimento de R$ 23 bilhões, em quatro anos, em diversas iniciativas, sejam elas públicas ou privadas, e que incluem a compra de um supercomputador, a construção de uma IA generativa brasileira e até uma cloud 100% nacional, além de uma ampla campanha de educação na área.
Para Harold Schutz Neto, chief AI Officer e líder pela divisão de inteligência artificial da MakeOne, a proposta é importante e agrada, porém há desafios. Um deles é o valor do plano, que, embora substancial, está muito abaixo dos R$ 380 bilhões que serão gastos pela iniciativa privada norte-americana ou os R$ 300 bilhões do governo chinês. E isso somente este ano.
Além disso, o executivo destaca a necessidade de uma ampla infraestrutura de internet de alta velocidade e também uma disponibilidade de dados, incluindo aqueles protegidos por direito autoral – e que o Congresso Nacional pode limitar, caso aprove o projeto de lei que regulamenta a tecnologia no País. Para ele, o modelo regulatório japonês seria um modelo a ser seguido, assim como estratégias estatais de inteligência artificial de países do Oriente Médio. Harold concedeu a seguinte entrevista a Inovativos.
Inovativos – O que achou do IA para o bem de todos?
Harold – Eu fiquei feliz, pois acho que precisamos ter (um plano nacional de inteligência artificial). Eu também gostei de algumas iniciativas (previstas na proposta), caso de uma base de dados comum, unificada e assim por diante.
Se pegarmos o exemplo dos Emirados Árabes Unidos, que, obviamente, tem uma diferença descomunal de tamanho de população, lá, há 7 anos, existe um ministro de Inteligência Artificial. O primeiro trabalho que ele fez foi montar um data lake do governo com todos os dados centralizados e disponíveis para todos os serviços públicos. Do ponto de vista de governança de dados é muito importante, pois, para fazer aplicações de IA, você precisa ter informações bem estruturadas. Além disso, há uma iniciativa de cunho educacional, com a capacitação de docentes e de profissionais. É o primeiro passo, pois temos um plano e uma linha de investimento prevista.
Inovativos – Mas o que achou da proposta de construir uma cloud brasileira e uma LLM 100% nacional? É viável?
Harold – Você não faz um LLM do nível de um GPT com poucos dados. Você precisa de muitas informações, pois não é apenas a quantidade de parâmetro que influencia nessa tecnologia. Se comparar o volume de publicações científicas em inglês versus o total em português, a diferença é descomunal. É uma relação de aproximadamente 1000 para 1. Se você olhar a base do Wikipedia, que é um conjunto de dados muito usado para treinamento do LLM (Large Language Model, o modelo utilizado pelo ChatGPT), essa diferença fica evidente. Além disso, para que a gente possa ter uma IA generativa própria, precisamos traduzir todos esses documentos. Porém, ao fazer isso, não temos o viés cultural e a diversidade linguística que o governo comenta no plano.
É algo fundamental e que eu comentei na minha palestra na Malásia para um grupo de conselheiros do ICDM (similar ao IBGC ou Instituto Brasileira de Governança Corporativa). A Malásia é um país de maioria muçulmana e eles falaram assim: ‘poxa, como a gente lida com a questão, por exemplo, da alimentação halal (processo que não conta com produtos haram ou proibidos) e o modelo de finanças takaful (um modelo de seguro islâmico, baseia-se nos princípios de cooperação mútua e risco compartilhado e sem a cobrança de juros) se não temos um modelo de LLM próprio?’. A questão não é construir um supercomputador e uma IA generativa. O importante é a quantidade de conteúdo relacionado a sua cultura para gerar um LLM. Quando olhamos para o modelo de regulação que está presente na proposta do Marco Legal da IA, notamos que ela é muito restritiva, inclusive até mais que a da União Europeia e que fez o Facebook abandonar o continente europeu. Pela nossa proposta, não poderemos usar livros por conta do direito autoral, Ou seja, não poderemos usar um monte de conteúdo relevante para o Brasil treinar a IA nacional. E aí vem a pergunta: ‘a nossa IA vai ser treinada com o quê?’.
Eu sempre gosto de falar que sou um copywriting ambulante. As minhas palestras representam um apanhado de livros que eu li, de um monte de material, muitos deles exclusivos, e das minhas experiências de vida. Eu correlaciono tudo e apresento a soma desses conteúdos para o público. A IA é isso. Ela é uma curadora. O que é errado, na minha opinião, e que foi resultou na crise da OpenAI contra alguns jornais (mídias norte-americanas processaram a OpenAI e a Microsoft pelo uso, via ChaGPT, de trechos inteiros de reportagens protegidas por direito autoral), é que muitas coisas foram colocadas ipsis litteris dentro do modelo deles e isso não deveria ter acontecido. Na fase de treinamento da IA, pegamos um texto, transformamos ele em um token e ele se transforma em um conhecimento semântico e linguístico. Ou seja, são insights em cima do texto original. Eu entendo a importância do direito autoral para o criador, mas eu também acredito que impedir a IA de usar esse tipo de conteúdo será um problema. Teremos uma tecnologia de baixa qualidade. Vamos pegar apenas vídeos do YouTube ou textos do Wikipédia? Vai ser um conteúdo muito raso e de baixa qualidade.
Inovativos – Então, podemos afirmar que as IAs treinadas em momentos anteriores a essas legislações levam grande vantagem sobre as próximas LLMs.
Harold – Exatamente. Logo que saiu o ChatGPT, o Japão anunciou que, na regulação deles, o direito autoral morre para o treinamento de uma IA japonesa. Então, pode usar qualquer material com direito autoral justamente por causa da lógica que comentei anteriormente: dentro da IA, não pode conter o livro, mas os insights e a construção da semântica de uma determinada obra para enriquecer a inteligência da IA.
Inovativos – Além do conteúdo disponível, você apontaria outro desafio para o Brasil?
Harold – No “IA para o bem de Todos”, eu vejo desafios no modelo, na construção do supercomputador e no desenvolvimento da IA. Saiu um dado que a OpenAi, este ano, deverá faturar algo na faixa de US$ 3,5 bilhões. Porém, a mesma empresa também deve gerar um prejuízo de US$ 5 bilhões. Na previsão de déficit, por exemplo, US$ 3,5 bilhões serão para o treinamento da IA e US$ 1,5 bilhão com profissionais. Esse é o ponto. Será que o governo vai ter caixa e uma visão estratégica de longo prazo para manter uma IA com esse nível de qualidade?
Hoje, a OpenAI só sobrevive porque a Microsoft está por trás. O que me decepciona, e que sinto falta no Brasil, é uma visão de longo prazo. Em Singapura foi criado um planejamento de 50 anos, sendo que já se passaram 40 anos. E o que aconteceu? Hoje, o país é o mais preparado para a inovação com IA no mundo. Na Malásia, país que tem os seus problemas de corrupção, há um reinado que dura mais de 100 anos e os reis que passaram por lá também possuem uma visão de onde querem chegar. Vemos o mesmo ainda nos Emirados Árabes e na Arábia Saudita.
No nosso plano, o máximo que eu vi foi uma projeção até 2028. Até lá, poderemos ter um novo presidente com uma visão diferente da atual. Se a IA atrasar, o que é bem comum por aqui, vai custar mais caro e estaremos bem longe de uma IA de referência. Então, em resumo, o plano é bom, mas a execução é fraca.
Inovativos – Como são os investimentos públicos em outros países?
Harold – Dos R$ 23 bilhões prometidos no plano, R$13 bilhões vão para o setor privado. O próprio plano faz um comparativo com a China e os EUA, que são os países que temos que mirar e onde os negócios estão crescendo. Nos EUA, o setor privado deve gastar R$ 380 bilhões em apenas um ano. Já na China, o governo vai investir R$ 300 bilhões e o setor privado chinês outros R$ 30 bilhões. Tudo isso em um ano. Ou o governo não percebeu essa diferença de valores ou realmente não temos condições por causa das diferenças econômicas. Porém, o buraco é mais embaixo. Precisamos dos melhores profissionais do mercado, das melhores instituições de pesquisa e uma manutenção dessa tecnologia contínua no tempo. Certa vez, quando estive no Vale do Silício, um professor da universidade de Columbia me contou: ‘Para a IA, 10 anos parecem 100″. A velocidade de crescimento da IA é tão exponencial que o investimento previsto para 2024 poderá ser obsoleto em 2026.
Inovativos – Então, diante desse sentido, parece-me que o governo deverá abrir diversas linhas de financiamento por meio do BNDES e as empresas que se virem…
Harold – Eu penso que será mais ou menos isso, sim.
Inovativos – E o que achou do que o plano aborda infraestrutura? Estamos no caminho correto?
Harold – Lembro que havia uma linha falando de infraestrutura de internet. Aqui, fala-se muito na inclusão e na criação de uma estrutura de internet de alta velocidade para a população de baixa renda. Ocorre que o plano não cita o 5G, muito menos projeta o 6G, que já vem sendo estudado em alguns países. Recentemente, nos EUA, eu fiquei muito impressionado quando, durante um voo doméstico, apareceu o ícone de um satélite. Eu descobri que isso é fruto de uma parceria da Apple com a Space X e a Verizon (operadora de telecomunicações) para entregar internet via satélite direto no iPhone sem precisar de uma infraestrutura local. Isso precisa estar contemplado no plano., Não tem como falar em IA, nuvem, data center de alta qualidade sem base para o usuário. Nos anos 2000, eu lembro que o governo investiu em um programa de inclusão digital. Veja: na minha opinião, o maior programa de inclusão digital foi (a criação do) iPhone. Foi o aparelho que deu uma percepção para o mercado de que poderíamos criar um computador que cabe no bolso. A partir dele, veio um monte de competidores chineses que reduziram o custo de produção e, hoje, a grande maioria da população tem acesso à internet por causa do smartphone. O que deu certo foi a inclusão digital do Android nas comunidades. Então, o governo precisa olhar para isso: precisamos de uma parceria com fabricantes, trazer literalmente a fábrica para cá, fazer um bom plano de incentivo para eles estarem aqui e, assim, criarem celulares de baixo custo.
Inovativos – Sobre a cloud, não ficou claro se ela seria pública, privada ou ambos. Se for privada, será que ela aderência ao mercado, ainda mais com a forte competição nesse mercado?
Harold – Se o governo estiver buscando algo para todos os serviços públicos, caso de um grande data lake, faz sentido por uma questão de privacidade de dados. Agora, para o setor privado, eu duvido. Não é apenas o investimento na infraestrutura. Por que a gente usa um Azure, por exemplo? Porque a Microsoft e outros players tem dezenas de milhares de desenvolvedores que constroem serviços e melhoram o ambiente da nuvem o tempo todo. Se o estado fizer isso, precisaríamos de um ministério da cloud ou melhor: um centro de desenvolvimento de IA, nuvem, cloud computing e dados. Há muito custo gigante envolvido nos negócios dessas empresas, que ainda possuem os melhores profissionais do mundo e que bebem das melhores fontes de conteúdo. Infelizmente, essas pessoas não estão no Brasil. É preciso ter contato com os grandes centros de pesquisa para fazer isso acontecer.
Inovativos – A ideia de construir data center e ainda montar no Norte ou Nordeste seria uma boa decisão?
Harold – Eu acho uma decisão extremamente positiva. E por que eu acho isso? Primeiro que a construção de um ambiente assim requer um alto volume de energia e a melhor região, hoje, é o Nordeste. Isso ocorre por conta da incidência solar e dos ventos. O Rio Grande do Norte, por exemplo, é um importante polo de campos eólicos. Ou seja, estamos falando de energia limpa.
Tudo isso pode resultar em um movimento de desenvolvimento social e econômico na região, que será puxado pela infraestrutura mais fundamental, no caso a energia. Então, eu vejo muito valor nisso porque você não precisa de muita coisa. Basicamente estamos falando de energia e espaço – e o Nordeste tem os dois. Quanto aos profissionais, precisaremos de capacitação e que poderia ser feito a partir de um plano de desenvolvimento educacional na região. É o projeto dos sonhos, porém executar é outra história.
Inovativos – Parece-me que a criação de um pólo energético teria um potencial de atrair empresas estrangeiras de tecnologia…
Harold – O plano do governo é uma ótima oportunidade para atrair empresas. O Brasil poderá ser um grande polo de infraestrutura de energia limpa para a Inteligência Artificial. Afinal, a pior incidência solar do Brasil é melhor que a melhor da Inglaterra. Ocorre que a Inglaterra investe muito mais dinheiro em parque solar do que nós. Mas, e se a gente falar sobre o plano da IA brasileira para o Google, Microsoft, AWS ou Alibaba? E se criarmos uma infraestrutura energética para eles? O potencial de desenvolvimento de energia limpa é muito grande. Poderíamos ainda fazer a transmissão (de dados) por meio de uma fibra ótica intercontinental aproveitando a proximidade do oceano. As oportunidades estão aí.
No último dia 30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu do Ministério de Ciência e Tecnologia o primeiro plano brasileiro de fomento à inteligência artificial, conhecido como IA para o bem de todos. Entre outras coisas, a proposta prevê o investimento de R$ 23 bilhões, em quatro anos, em diversas iniciativas, sejam elas públicas ou privadas, e que incluem a compra de um supercomputador, a construção de uma IA generativa brasileira e até uma cloud 100% nacional, além de uma ampla campanha de educação na área.
Para Harold Schutz Neto, chief AI Officer e líder pela divisão de inteligência artificial da Make One, a proposta é importante e agrada, porém há desafios. Um deles é o valor do plano, que, embora substancial, está muito abaixo dos R$ 380 bilhões que serão gastos pela iniciativa privada norte-americana ou os R$ 300 bilhões do governo chinês. E isso somente este ano.
Além disso, o executivo destaca a necessidade de uma ampla infraestrutura de internet de alta velocidade e também uma disponibilidade de dados, incluindo aqueles protegidos por direito autoral – e que o Congresso Nacional pode limitar, caso aprove o projeto de lei que regulamenta a tecnologia no País. Para ele, o modelo regulatório japonês seria um modelo a ser seguido. Harold concedeu a seguinte entrevista a Inovativos.
Inovativos – O que achou do IA para o bem de todos?
Harold – Eu fiquei feliz, pois acho que precisamos ter (um plano nacional de inteligência artificial). Eu também gostei de algumas iniciativas (previstas na proposta), caso de uma base de dados comum, unificada e assim por diante.
Se pegarmos o exemplo dos Emirados Árabes Unidos, que, obviamente, tem uma diferença descomunal de tamanho de população, lá, há 7 anos, existe um ministro de Inteligência Artificial. O primeiro trabalho que ele fez foi montar um data lake do governo com todos os dados centralizados e disponíveis para todos os serviços públicos. Do ponto de vista de governança de dados é muito importante, pois, para fazer aplicações de IA, você precisa ter informações bem estruturadas. Além disso, há uma iniciativa de cunho educacional, com a capacitação de docentes e de profissionais. É o primeiro passo, pois temos um plano e uma linha de investimento prevista.
Inovativos – Mas o que achou da proposta de construir uma cloud brasileira e uma LLM 100% nacional? É viável?
Harold – Você não faz um LLM do nível de um GPT com poucos dados. Você precisa de muitas informações, pois não é apenas a quantidade de parâmetro que influencia nessa tecnologia. Se comparar o volume de publicações científicas em inglês versus o total em português, a diferença é descomunal. É uma relação de aproximadamente 1000 para 1. Se você olhar a base do Wikipedia, que é um conjunto de dados muito usado para treinamento do LLM (Large Language Model, o modelo utilizado pelo ChatGPT), essa diferença fica evidente. Além disso, para que a gente possa ter uma IA generativa própria, precisamos traduzir todos esses documentos. Porém, ao fazer isso, não temos o viés cultural e a diversidade linguística que o governo comenta no plano.
É algo fundamental e que eu comentei na minha palestra na Malásia para um grupo de conselheiros do ICDM (similar ao IBGC ou Instituto Brasileira de Governança Corporativa). A Malásia é um país de maioria muçulmana e eles falaram assim: ‘poxa, como a gente lida com a questão, por exemplo, da alimentação halal (processo que não conta com produtos haram ou proibidos) e o modelo de finanças takaful (um modelo de seguro islâmico, baseia-se nos princípios de cooperação mútua e risco compartilhado e sem a cobrança de juros) se não temos um modelo de LLM próprio?’. A questão não é construir um supercomputador e uma IA generativa. O importante é a quantidade de conteúdo relacionado a sua cultura para gerar um LLM. Quando olhamos para o modelo de regulação que está presente na proposta do Marco Legal da IA, notamos que ela é muito restritiva, inclusive até mais que a da União Europeia e que fez o Facebook abandonar o continente europeu. Pela nossa proposta, não poderemos usar livros por conta do direito autoral, Ou seja, não poderemos usar um monte de conteúdo relevante para o Brasil treinar a IA nacional. E aí vem a pergunta: ‘a nossa IA vai ser treinada com o quê?’.
Eu sempre gosto de falar que sou um copywriting ambulante. As minhas palestras representam um apanhado de livros que eu li, de um monte de material, muitos deles exclusivos, e das minhas experiências de vida. Eu correlaciono tudo e apresento a soma desses conteúdos para o público. A IA é isso. Ela é uma curadora. O que é errado, na minha opinião, e que foi resultou na crise da OpenAI contra alguns jornais (mídias norte-americanas processaram a OpenAI e a Microsoft pelo uso, via ChaGPT, de trechos inteiros de reportagens protegidas por direito autoral), é que muitas coisas foram colocadas ipsis litteris dentro do modelo deles e isso não deveria ter acontecido. Na fase de treinamento da IA, pegamos um texto, transformamos ele em um token e ele se transforma em um conhecimento semântico e linguístico. Ou seja, são insights em cima do texto original. Eu entendo a importância do direito autoral para o criador, mas eu também acredito que impedir a IA de usar esse tipo de conteúdo será um problema. Teremos uma tecnologia de baixa qualidade. Vamos pegar apenas vídeos do YouTube ou textos do Wikipédia? Vai ser um conteúdo muito raso e de baixa qualidade.
Inovativos – Então, podemos afirmar que as IAs treinadas em momentos anteriores a essas legislações levam grande vantagem sobre as próximas LLMs.
Harold – Exatamente. Logo que saiu o ChatGPT, o Japão anunciou que, na regulação deles, o direito autoral morre para o treinamento de uma IA japonesa. Então, pode usar qualquer material com direito autoral justamente por causa da lógica que comentei anteriormente: dentro da IA, não pode conter o livro, mas os insights e a construção da semântica de uma determinada obra para enriquecer a inteligência da IA.
Inovativos – Além do conteúdo disponível, você apontaria outro desafio para o Brasil?
Harold – No “IA para o bem de Todos”, eu vejo desafios no modelo, na construção do supercomputador e no desenvolvimento da IA. Saiu um dado que a OpenAi, este ano, deverá faturar algo na faixa de US$ 3,5 bilhões. Porém, a mesma empresa também deve gerar um prejuízo de US$ 5 bilhões. Na previsão de déficit, por exemplo, US$ 3,5 bilhões serão para o treinamento da IA e US$ 1,5 bilhão com profissionais. Esse é o ponto. Será que o governo vai ter caixa e uma visão estratégica de longo prazo para manter uma IA com esse nível de qualidade?
Hoje, a OpenAI só sobrevive porque a Microsoft está por trás. O que me decepciona, e que sinto falta no Brasil, é uma visão de longo prazo. Em Singapura foi criado um planejamento de 50 anos, sendo que já se passaram 40 anos. E o que aconteceu? Hoje, o país é o mais preparado para a inovação com IA no mundo. Na Malásia, país que tem os seus problemas de corrupção, há um reinado que dura mais de 100 anos e os reis que passaram por lá também possuem uma visão de onde querem chegar. Vemos o mesmo ainda nos Emirados Árabes e na Arábia Saudita.
No nosso plano, o máximo que eu vi foi uma projeção até 2028. Até lá, poderemos ter um novo presidente com uma visão diferente da atual. Se a IA atrasar, o que é bem comum por aqui, vai custar mais caro e estaremos bem longe de uma IA de referência. Então, em resumo, o plano é bom, mas a execução é fraca.
Inovativos – Mas estamos falando de investimentos públicos. Como isso ocorre em outros países?
Harold – Dos R$ 23 bilhões prometidos no plano, R$13 bilhões vão para o setor privado. O próprio plano faz um comparativo com a China e os EUA, que são os países que temos que mirar e onde os negócios estão crescendo. Nos EUA, o setor privado deve gastar R$ 380 bilhões em apenas um ano. Já na China, o governo vai investir R$ 300 bilhões e o setor privado chinês outros R$ 30 bilhões. Tudo isso em um ano. Ou o governo não percebeu essa diferença de valores ou realmente não temos condições por causa das diferenças econômicas. Porém, o buraco é mais embaixo. Precisamos dos melhores profissionais do mercado, das melhores instituições de pesquisa e uma manutenção dessa tecnologia contínua no tempo. Certa vez, quando estive no Vale do Silício, um professor da universidade de Columbia me contou: ‘Para a IA, 10 anos parecem 100″. A velocidade de crescimento da IA é tão exponencial que o investimento previsto para 2024 poderá ser obsoleto em 2026.
Inovativos – Então, diante desse sentido, parece-me que o governo deverá abrir diversas linhas de financiamento por meio do BNDES, entre outros, e as empresas que se virem…
Harold – Eu penso que será mais ou menos isso, sim.
Inovativos – E o que achou do que o plano aborda infraestrutura? Estamos no caminho correto?
Harold – Lembro que havia uma linha falando de infraestrutura de internet. Aqui, fala-se muito na inclusão e na criação de uma estrutura de internet de alta velocidade para a população de baixa renda. Ocorre que o plano não cita o 5G, muito menos projeta o 6G, que já vem sendo estudado em alguns países. Recentemente, nos EUA, eu fiquei muito impressionado quando, durante um voo doméstico, apareceu o ícone de um satélite. Eu descobri que isso é fruto de uma parceria da Apple com a Space X e a Verizon (operadora de telecomunicações) para entregar internet via satélite direto no iPhone sem precisar de uma infraestrutura local. Isso precisa estar contemplado no plano., Não tem como falar em IA, nuvem, data center de alta qualidade sem base para o usuário. Nos anos 2000, eu lembro que o governo investiu em um programa de inclusão digital. Veja: na minha opinião, o maior programa de inclusão digital foi (a criação do) iPhone. Foi o aparelho que deu uma percepção para o mercado de que poderíamos criar um computador que cabe no bolso. A partir dele, veio um monte de competidores chineses que reduziram o custo de produção e, hoje, a grande maioria da população tem acesso à internet por causa do smartphone. O que deu certo foi a inclusão digital do Android nas comunidades. Então, o governo precisa olhar para isso: precisamos de uma parceria com fabricantes, trazer literalmente a fábrica para cá, fazer um bom plano de incentivo para eles estarem aqui e, assim, criarem celulares de baixo custo.
Inovativos – Sobre a cloud, não ficou claro se ela seria pública, privada ou ambos. Se for privada, será que ela aderência ao mercado, ainda mais com a forte competição nesse mercado?
Harold – Se o governo estiver buscando algo para todos os serviços públicos, caso de um grande data lake, faz sentido por uma questão de privacidade de dados. Agora, para o setor privado, eu duvido. Não é apenas o investimento na infraestrutura. Por que a gente usa um Azure, por exemplo? Porque a Microsoft e outros players tem dezenas de milhares de desenvolvedores que constroem serviços e melhoram o ambiente da nuvem o tempo todo. Se o estado fizer isso, precisaríamos de um ministério da cloud ou melhor: um centro de desenvolvimento de IA, nuvem, cloud computing e dados. Há muito custo gigante envolvido nos negócios dessas empresas, que ainda possuem os melhores profissionais do mundo e que bebem das melhores fontes de conteúdo. Infelizmente, essas pessoas não estão no Brasil. É preciso ter contato com os grandes centros de pesquisa para fazer isso acontecer.
Inovativos – A ideia de construir data center e ainda montar no Norte ou Nordeste seria uma boa decisão?
Harold – Eu acho uma decisão extremamente positiva. E por que eu acho isso? Primeiro que a construção de um ambiente assim requer um alto volume de energia e a melhor região, hoje, é o Nordeste. Isso ocorre por conta da incidência solar e dos ventos. O Rio Grande do Norte, por exemplo, é um importante polo de campos eólicos. Ou seja, estamos falando de energia limpa.
Tudo isso pode resultar em um movimento de desenvolvimento social e econômico na região, que será puxado pela infraestrutura mais fundamental, no caso a energia. Então, eu vejo muito valor nisso porque você não precisa de muita coisa. Basicamente estamos falando de energia e espaço – e o Nordeste tem os dois. Quanto aos profissionais, precisaremos de capacitação e que poderia ser feito a partir de um plano de desenvolvimento educacional na região. É o projeto dos sonhos, porém executar é outra história.
Inovativos – Parece-me que a criação de um pólo energético teria um potencial de atrair empresas estrangeiras de tecnologia…
Harold – O plano do governo é uma ótima oportunidade para atrair empresas. O Brasil poderá ser um grande polo de infraestrutura de energia limpa para a Inteligência Artificial. Afinal, a pior incidência solar do Brasil é melhor que a melhor da Inglaterra. Ocorre que a Inglaterra investe muito mais dinheiro em parque solar do que nós. Mas, e se a gente falar sobre o plano da IA brasileira para o Google, Microsoft, AWS ou Alibaba? E se criarmos uma infraestrutura energética para eles? O potencial de desenvolvimento de energia limpa é muito grande. Poderíamos ainda fazer a transmissão (de dados) por meio de uma fibra ótica intercontinental aproveitando a proximidade do oceano. As oportunidades estão aí.