Na parte I desta série, o portal INOVATIVOS, em parceria com TozziniFreire Advogados, escritório de advocacia full-service com atuação em 53 áreas do Direito Empresarial, abordou como andam as políticas públicas referentes às áreas de proteção de dados, teletrabalho e customer experience. Agora é a vez de conferir as novidades nos setores de mobilidade urbana, meios de pagamento e logística a partir dos últimos acontecimentos em cada uma dessas esferas.
Mobilidade urbana
INOVATIVOS Até pouco tempo atrás, vimos empresas como Uber e 99 enfrentando problemas para ter suas atividades liberadas. Atualmente, a Buser passa pelos mesmos desafios em algumas regiões, onde é proibida de operar. De maneira geral, como avalia a eficiência das atuais políticas públicas voltadas para este segmento de mobilidade urbana?
Claudia Elena Bonelli e Adriana Ferreira Tavares, respectivamente sócia e advogada na área de Infraestrutura de TozziniFreire
A Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) foi recentemente alterada pela Lei Federal nº 13.640/2018, passando a regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros. Porém, até 2019, a polêmica seguiu quando finalmente o Supremo Tribunal Federal decidiu que a proibição ou a restrição desproporcional da atividade era inconstitucional, pois violaria os princípios constitucionais da livre iniciativa e concorrência (ADPF nº 449 e Recurso Extraordinário nº 1054110). A partir daí, os municípios que optassem pela regulamentação desse serviço não poderiam contrariar o previsto na nova lei.
Com cerca de 5 anos de existência, a Buser atingiu em 2021 a marca de 2 milhões de usuários em sua plataforma de intermediação de viagens; isso, sem dúvidas, mostra o impacto que a empresa recém-chegada teve no setor de transporte rodoviário no Brasil. Contudo, juntamente com o sucesso vieram também os desafios do mundo jurídico especialmente sob a ótica regulatória.
Assim como em suas antecessoras, o caráter disruptivo da Buser desafia o espectro de regulamentação de transporte coletivo de passageiros que se encontra em vigor há muitos anos no país e que, consequentemente, não previu esse tipo de serviço oferecido pela startup, conhecido como “fretamento rodoviário colaborativo”. Isso tem resultado em diversas discussões judiciais nos tribunais, e, na mais recente, de março de 2021, a Buser saiu vencedora pois o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entendeu que o serviço prestado era legítimo e que “justamente pela novidade das plataformas digitais nesse tido de transporte é que não se encontra situação clara de proibição a ele” (AI nº 23026930-24.2020.8.26.0000).
O caráter disruptivo da Buser desafia o espectro de regulamentação de transporte coletivo de passageiros que se encontra em vigor há muitos anos no país
A sistemática da Buser, contudo, difere um pouco em relação aos casos da Uber e 99 pelo fato de que se trata do transporte coletivo de passageiros, na medida em que a startup intermedeia, por meio de sua plataforma, viagens entre as pessoas e as respectivas empresas de fretamento executivo. Portanto, a regulamentação à qual a Buser estaria sujeita perpassaria pelas diversas normas federais sob o espectro da ANTT e por toda a regulação aplicável no âmbito estadual por meio das agências locais.
Nesse sentido, no momento atual em que se encontra a regulação do país o que se verifica é que, assim como ocorreu anteriormente, a modernização do setor ultrapassou a barreira legal e a maneira que a variedade de serviços hoje oferecida ao público se encontra em certa medida descoberta pelo arcabouço regulatório.
A estabilidade regulatória do setor não depende exclusivamente da eficiência do setor, mas sim da segurança jurídica das políticas públicas oferecidas aos players e aos usuários. Por isso, idealmente, caberia não somente ao legislador como também aos entes reguladores competentes dar um passo atrás e verificar o que há de novo no mercado mundial em relação à integração entre os modais de transportes, melhoria da acessibilidade e mobilidade em geral das pessoas de maneira que o cenário regulatório brasileiro pudesse evoluir concomitantemente com a chegada de novas soluções, tais como Uber, 99 e Buser.
Fintechs e meios de pagamento
INOVATIVOS O setor financeiro vem evoluindo dia após dia, disponibilizando uma série de soluções novas para os consumidores frequentemente, vide PIX e open banking. O setor está bem respaldado juridicamente para continuar oferecendo diversas modalidades de transações financeiras aos seus usuários? E a sociedade, está bem amparada no âmbito legal?
Alexei Bonamin, sócio na área de Mercado de Capitais de TozziniFreire, e Marcus Vinícius Pimentel da Fonseca, advogado responsável pela área de Inovação Financeira de TozziniFreire
A evolução do setor financeiro requer liberdade e estímulo regulatório para que as inovações permaneçam se ampliando. Nesse sentido, é preciso que a área jurídica esteja sempre acompanhando tais inovações financeiras, respaldando os direitos e deveres de instituições e seus clientes. Há uma percepção de que os órgãos reguladores estão atentos a essas inovações financeiras e, mais importante, estão dispostos a dialogar com o setor para construir regras que sejam favoráveis à entrada de novos participantes no mercado, ampliando a concorrência e a inclusão financeira, barateando juros e permitindo a criação de novos produtos e serviços financeiros que possam beneficiar os clientes. Exemplos claros disso são as novas regulamentações relacionadas a PIX, Open Banking e Sandbox Regulatório do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários e da SUSEP.
A evolução do setor financeiro requer liberdade e estímulo regulatório para que as inovações permaneçam se ampliando
Isso não quer dizer, entretanto, que não haja desafios pela frente. Vemos hoje empresas criando soluções cada vez mais inovadoras no mercado financeiro e dificilmente as regras existentes serão capazes de abarcar todos os cenários. É um período de aprendizado para todos, inclusive para os órgãos reguladores. Por isso que este diálogo entre reguladores e participantes é imprescindível para o bom funcionamento do mercado. Um setor que hoje merece bastante atenção e que ainda carece de uma regulamentação mais clara e específica é o de criptoativos. Esse é um mercado com potencial de crescimento muito grande e, na nossa visão, ainda está muito aquém em termos de regulamentação. É preciso entender a tecnologia do blockchain e como ela poderá ser utilizada na criação de novos produtos e serviços, criando assim regras que permitam a sua utilização de forma responsável.
Por fim, é importante esclarecer que, quando se fala em criação de regras que permitam o desenvolvimento de novos produtos e serviços financeiros e a entrada de novos participantes nesse setor, não necessariamente estamos falando em regras que visem apenas a flexibilização de deveres e obrigações. É importante que legisladores e órgãos reguladores estejam atentos às necessidades do mercado, mas sempre atuando de forma responsável para garantir uma maior segurança a todos os envolvidos, principalmente os clientes que terão acesso a esses serviços.
Delivery e Logística
INOVATIVOS Com o crescimento do número de aplicativos e lojas que entregam produtos via delivery, quais são os principais desafios enfrentados pelo setor? O que precisa ser melhorado?
Patrícia Helena Marta Martins, sócia na área de Direito do Consumidor de TozziniFreire
A entrega de produtos por delivery se tornou elemento essencial na economia contemporânea, e consequentemente os desafios cresceram para outras dimensões. O maior player do mercado de apps de delivery no Brasil, por exemplo, foi notificado e multado pelo PROCON-SP por golpes aplicados em consumidores durante a entrega dos pedidos. Na mesma esteira, taxas de entrega e pedidos mínimos podem levantar questionamentos do ponto de vista consumerista. Além disso, a expansão de iniciativas de automação (i.e., entregadores-robôs, drones, etc.) para entregas parece distante, mas há projetos em curso no país, o que demanda articulação entre o setor, empresas pioneiras nessas tecnologias e poder público, dado que o cenário regulatório está pouco familiarizado com essas inovações.
Hoje em dia, falar de logística e delivery também é pensar em políticas públicas e mobilidade urbana, a exemplo do Termo de Cooperação assinado pela Prefeitura de São Paulo com empresas brasileiras de delivery em 2019, por meio do qual ambas se comprometeram a não estabelecer práticas de bonificação por número de entregas em curto período. Ainda no horizonte de mobilidade e urbanismo, as propostas das empresas de e-commerce para atender ao aumento da demanda por entregas – e entregas cada vez mais rápidas – estão atreladas também a desafios jurídicos, a depender da rota (se interestadual para recolhimento de ICMS, por exemplo), do produto vendido, do modal de transporte, dentre outros. Para citar as normas consumeristas, o atraso na entrega, problema comum no início da pandemia, é considerado descumprimento da oferta por parte do fornecedor.
Hoje em dia, falar de logística e delivery também é pensar em políticas públicas e mobilidade urbana
O CDC, no caso, é indiferente à entrega ser realizada por empresa terceirizada ou pelo próprio fornecedor. Dessa forma, empresas apostam em aumento de frota, diversificação de modais (i.e., “lockers” – armários inteligentes), expansão de centros de distribuição, sem falar no crescimento do segmento de “marketplaces”. Com o cenário apresentado, a dinâmica das cidades, dos consumidores, das empresas e dos Poderes dos entes federativos se transforma. Estamos atentos a essas movimentações e temos acompanhado nossos clientes com soluções jurídicas aderentes a seus propósitos e necessidades particulares.