Dentre os ensinamentos da Arte para a gestão, o contexto da Inovação é, provavelmente, o mais evidente. Nos vários campos e contextos da produção artística, com os objetivos em que praticamos e apreciamos a Arte, inovar é motivo, força, base, forma da produção e expressões artísticas.
Uma rápida observação pelo campo da música nos permite observar estes desenvolvimentos. Podemos tomar como um ponto de partida o canto vocal, nas suas origens associado à manifestações religiosas, onde o arranjo coral, adicionado de eventuais solos, destacava as orações, desenvolvia a identidade de um grupo social e religioso e estabelecia até mesmo conexões regionais geográficas com correntes e práticas da fé. A Arte representava, portanto, um meio de associação e retenção de marcas e símbolos, de maneira ainda inicial, servindo como fator destacado de associação, comunicação e retenção de grupos, tornando-se parte da identidade organizacional.
Ainda analisando brevemente no campo da música, algum tempo depois, houve a inovação pela mudança tecnológica – fato incessante por séculos na Arte musical – com a introdução inicial dos instrumentos musicais. Instrumentos primários de corda, percussão e sopro compunham os primeiros grupos orquestrais, ainda próximos dos grupos de música de câmara, que nos alcançam até hoje, chegando mesmo aos conjuntos de percussão, metais, cordas e eletrônicos, de nossa afeição nos dias atuais. A atuação destes instrumentos resultou em substituição de parte da expressão vocal a partir daquele período, permitindo outros arranjos, novas formas de expressar.
O agrupamento de músicos que tocam instrumentos, em arranjos apoiando os corais, formam orquestras de pequeno porte com resultados diferentes do que se obtinha apenas com os corais e vocalizações. Uma disrupção. Os compositores, portanto, tinham, ao seu alcance, para expressão de sua criatividade e emoção, de suas concepções artísticas, novos instrumentos, inovando na produção de músicas, surgindo também as iniciativas de documentação das peças musicais, o que permitiu a reprodução por outros artistas, fortalecendo e expandindo a comunicação e a potencial geração de um mercado.
Este é um bom ponto para associarmos estes princípios inovadores ao contexto organizacional, em vários aspectos. Primeiramente, a Arte como força de comunicação, da expressão da emoção, da fé e das percepções de grupo. Num paralelo, recorremos aos motivos centrais de campanhas de comunicação: Capturar a atenção, captar o interessado/cliente, associar este recém chegado ao nosso conjunto de valores, reter e definir um grupo ou segmento.
Ao analisarmos as jornadas e comportamentos do interessado, àquele que crê na religião e/ou partilha de associatividade ao grupo que se aproxima, percebemos fatos que inspiram a reflexão existente até hoje nos planos de comunicação para várias instâncias de relacionamento com tipos diversos de clientes, consumidores, crentes e parceiros, nas estratégias de marketing, por exemplo.
É importante ainda notar que tal relacionamento, que ocorre em vários lugares do mundo há mais de mil anos, define algumas experiências de aceite, ajustes e retenções que podem ser estudadas, para aprimorar nossas condições de planejamento e execução destes planos. Um plano de marketing digital não teria traços destes comportamentos e atividades milenares? O uso de tecnologias – dos instrumentos, do desenvolvimento de codificações para registro das experiências e sensações – permitiu a escalabilidade da Arte? Como? Quais os casos de sucesso e de falhas? O que eles nos ensinam?
Ainda com base nas inovações tecnológicas, vemos um poderoso movimento no redesenho organizacional, uma mudança de modelo de negócios: a composição da orquestra. Primeiramente, o agrupamento de músicos por instrumentos, por emissão sonora. Os testes feitos pelos compositores e instrumentistas buscando o arranjo ótimo para emissão sonora, motivaram a ocupação do espaço e agrupamento dos músicos. A adoção de um “padrão universal” e as propostas de quebras, feitas por alguns dos compositores em determinadas obras tornou-se uma inovação dentro da anterior, de tecnologia instrumental. É a inovação a partir de uma inovação anterior. Que tal refletirmos a respeito?
Verifica-se uma inovação de modelagem de negócios que, depois de algum tempo, veio a definir um padrão adotado quase que como um fundamento de agrupamento dos músicos em palcos, determinando que as composições fluíssem por esta base definida.
Posteriormente, esta base foi desafiada em propostas de outros arranjos orquestrais, pelos grupos de câmara, por alguns compositores e pelos quartetos, quintetos e sextetos das modalidades orquestrais ou de outras, como as dos conjuntos de Jazz, que merecerão outra discussão futura em nossa abordagem. Podemos verificar que a inovação resulta num sucesso momentâneo que define um padrão organizacional amplamente adotado, portanto, deixando ser uma ruptura por si só. Dado que se torna uma plataforma, define também uma nova base para novas rupturas. Um “oceano azul”, que se avermelha, permitindo novas projeções, planos, testes, ensaios e inovações, num processo contínuo de inovações!
Este caminho não é retilíneo. Em geral, apenas as experiências bem-sucedidas nos alcançam, gerando a falsa impressão que inovar é sempre um caminho de sucessos e de progressão linear. Não são raros os relatos que mostram que uma obra destacada de um determinado compositor foi “retirada do programa do mês seguinte” por não ter agradado, em virtude de mudanças de composição, introdução de solistas, entre outros fatos inovadores que não foram aceitos pelos espectadores e parceiros.
Adicionalmente, a imposição de escolas de produção artística deixaram vários inovadores, ao longo do tempo, na situação de falta de diálogo, isolamento e baixa percepção dos espectadores, pois havia um padrão dominante. No caso da música, por exemplo, as escolas de composição clássica alemãs, que nos trouxeram uma vastíssima contribuição para o desenvolvimento artístico, também definiram, por decorrência, uma história de sucesso difícil de ser modificada, ou quebrada. As disrupções enfrentam estes sinais, os empreendedores – artistas e criativos – devem refletir, propor e demonstrar aptidão para enfrentar estas resistências e desafios.
Por fim, a música orquestral ainda nos permitiu outra inovação: compreender que a música não é apenas uma expressão de sons arranjada necessariamente para nos trazer conforto, prazer, dentro de uma organização definida. A orquestra pode ser orientada – via uma composição – a descrever uma paisagem, um fato, um conjunto de emoções ou ainda, simplesmente, explorar a sonoridade per se, sem ter a atribuição de produzir algo “cantável” pelo espectador. Este é um aspecto da produção artística, de não ser simplesmente a reprodução da realidade, que nos mostra como a peça de Arte, a composição, pode modificar a própria razão funcional, organizacional do campo artístico. É fato que relaciono às nossas propostas de mudança de propósito e de valores das organizações, no momento em que falamos de adoção de valores inseridos nas ODSs, princípios de ESG, responsabilidade social e governança. A disrupção e inserção de “novos” (para quem adota) valores, corresponde às mudanças funcionais e de uso da Arte, sendo novo contexto para refletirmos.
Prosseguiremos em nossa reflexão sobre a inspiração da Arte em nossas próximas colunas. Você é nosso convidado a se manifestar! Boas reflexões, boa apreciação da Arte!
Artigo escrito por George Leal Jamil, professor, escritor e consultor em temas de educação executiva. Formado em engenharia, ele é MsC em Computação, Dr. em Ciência da Informação, pós-doutorados em Inteligência de Mercado e Empreendedorismo.