Já faz algum tempo que entrega de hambúrguer deixou de ser tarefa simples em uma cidade como São Paulo. Para alguns, a logística da última milha é uma relação entre um entregador, o dono de uma loja e, quando muito, possui um intermediário – uma empresa de logística. Hoje, o gerenciamento da atividade depende de muitos outros fatores: a escolha do espaço ideal, segurança e até tecnologia de ponta que ajuda a prever os produtos que serão adquiridos no futuro, o que garante que a mercadoria nunca falte no estoque.
Esse foi o ponto de partida para um bate-papo sobre logística urbana ou delivery no Fórum Cidade & Mobilidade. Kelly Carvalho, economista da FecomercioSP, assessora do conselho de economia digital e inovação da AbO2O e mediadora do encontro, lembrou que o delivery ganhou complexidade nos últimos anos e ficou ainda pior a partir da pandemia.
O entregador, seja de moto ou não, ganhou visibilidade incomum nas ruas e avenidas. Mais do que isso, os problemas e anseios dos agentes de delivery ficaram evidentes, ganharam a mídia e chamaram a atenção do poder público. Não era para menos.
“Muita coisa poderia ser feita pelo poder público para melhorar a questão da malha viária brasileira. Será que o setor vem sendo respaldado pelo poder público, ou seja, pelos municípios, pelos estados e pelo governo federal? Quais são os principais gargalos de infraestrutura que impactam na atividade de logística? Será que precisamos falar em incentivos à micro mobilidade ou o uso de meios de transportes mais leves e de baixa velocidade?”, questionou Kelly.
Nesse sentido, dois temas despontam como vitais na vida desses profissionais: saúde e segurança do motoqueiro. “Nos pequenos centros, a complicação do last mile é a segurança. Quando chove, buracos não são vistos. Percebemos que há um movimento do poder público para que isso seja melhorado, porém isso está sendo pensado sob uma ótica mais ampla, no trânsito como todo. Precisamos de ações específicas. Não estamos olhando para formas diversas de transportes, tais como patinetes, ir a pé ou mesmo a bicicleta nos grandes centros. Isso explica a baixa adesão desses modais em cidades menores. Eles aderem a motos e carros pensando na segurança da entrega”, afirma Myrko Araujo Micali, founder e CEO Alfred Delivery.
Bruno Sá, country manager da Burzo, startup que realiza serviços de entrega, explica que há precariedade tanto no middle (entre empresas) quanto na last mile (da empresa para o consumidor). Entre os problemas, ele destacou o preço do diesel, problemas de conservação de vias e até o preço nos pedágios. “Isso no middle mile. Dentro das cidades, o deslocamento é possível, porém vemos poucos incentivos para esses micros deslocamentos. É perigoso andar de bicicleta ou mesmo de patinete pelas cidades. O poder público precisa criar mecanismos para incentivar os deslocamentos nas capitais com esses veículos”, afirma
Entrega de supermercados
Outro tema abordado pelos especialistas foi o avanço do delivery de supermercado, um assunto considerado um tabu para o consumidor antes da pandemia. Muitos consumidores tinham a necessidade pouco higiênica de apalpar frutas e legumes antes de efetuar a compra. Agora existem os shoppers, que realizam as compras no lugar do consumidor.
A prática do delivery de produtos de supermercados cresceu muito na pandemia, segundo uma recente pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). O estudo mostra que, em 2019, menos de 10% informaram que fizeram compras de supermercados via aplicativo. Após a pandemia, o número saltou 20 pontos percentuais: 30% dos entrevistados passaram a encher os carrinhos virtuais com frutas, legumes, carnes, produtos de limpeza e outros produtos.
No entanto, de novo, entregar produtos muitas vezes perecíveis demandou uma mudança radical de comportamento de empresários do varejo supermercadista e, claro, escancarou as portas para a inovação nesse segmento. Nesse sentido, houve a inserção em larga escala de pequenos centros de distribuição localizados em pontos estratégicos das cidades – e muito provavelmente bem perto da sua casa. Entre outros motivos, isso garante maior rapidez na entrega de produtos.
Em linhas gerais, esse foi o caminho adotado pela Daki, empresa que realiza delivery de produtos de supermercados em até 15 minutos. Rodrigo Maroja, cofounder da empresa, lembra que a empresa decidiu estocar o produto para ter o domínio da jornada de relacionamento com o cliente. Ou seja, no fim, a empresa queria evitar ficar refém do parceiro: o consumidor adquire o produto no app, mas, no fim, a mercadoria não está disponível no varejista.
“Decidimos garantir qualidade de ponta a ponta. Entendemos que precisávamos ter um nível de controle maior, construído exclusivamente para o online. Então, focamos na construção de minis centros de distribuição. Então, somos donos do armazém e oferecemos os produtos que temos”, explica.
Futuro do delivery
Na visão de especialistas, o futuro do delivery precisará superar diversas barreiras. Uma delas (e talvez a mais importante) é diminuir para horas ou minutos o tempo de entrega de produtos de maior valor agregado, caso de uma geladeira.
Para isso, empresas apostam na criação de diversos pequenos centros de distribuição em inúmeros pontos de uma cidade. Além disso, as empresas precisam “prever” produtos que serão adquiridos pelos consumidores. Na prática, a ideia é garantir que o armazenamento das mercadorias sempre estoque. Parece difícil, mas esse é justamente o papel da big data nos aplicativos ou mesmo no gerenciamento do estoque.
“Antes de vender um produto, nós enviamos a mercadoria para o galpão. Antes de alguém comprar uma flauta em Roraima, o instrumento musical já estará lá. É a previsibilidade do que iremos vender”, afirma Micali. Outro desafio é garantir a oferta de galpões no futuro diante do aumento de empresas interessadas em garantir estoques dentro da última milha – e que aprimoram a jornada do cliente na venda.
“Além da questão de oferta desses espaços, precisamos pensar ainda na questão burocrática. Empresa nova para conseguir uma garantia para o aluguel é muito complexo. Isso foi um super desafio para nós”, afirma Maroja.
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Dia 1