Diante do atual cenário de crise, gerada pela pandemia da Covid-19, as startups se viram mais apreensivas com as expectativas negativas de investimento. Afinal, se conseguir capital já é um desafio e tanto dentro da normalidade, como seria agora em uma realidade como a de hoje? Como os investidores estão analisando essa situação? Como conduzir uma negociação de captação de recursos em um cenário tão crítico? Foi para responder a essas e outras perguntas que o Instituto Startups, em parceria com a Tozzini Freire Advogados, reuniu um time de investidores qualificados em um painel online para darem suas visões de mercado e dicas valiosas para as startups superarem esse momento da melhor forma possível. O bate-papo foi moderado por Caio Ramalho, coordenador do FGVnest.
Comitês de Crise
Segundo os especialistas, o momento para as startups é de reflexão, corte de custos e adaptação dos modelos de negócios. Por conta disso, muitos perceberam a criação de Comitês de Crise para orientar as decisões nesse momento tão inesperado. “Aproximamo-nos das startups de maneira mais intensa, deixamos de ver novos projetos para ajudá-los na gestão durante esse período conturbado”, explicou Carlos Gamboa, sócio da Fisher Venture Builder.
Aliás, uma das práticas mais recomendadas pelos investidores foi a transparência dos founders com seus colaboradores. “Uma das experiências mais bacanas foi ver que os CEOs não ficaram fechados neles mesmos, mas compartilharam suas visões com seus times”, completou Maria Rita Spina, diretora executiva da Anjos do Brasil e fundadora do MIA. Segundo ela, o papel do investidor ali é agregar valor através da sua experiência, como um componente humano. “Está sendo interessante ver que, apesar dos desafios, estamos conseguindo manter a rede ativa”, frisou.
Consequentemente, os investidores estão dando todo o apoio necessário aos empreendedores e estes realizando bons planos de contingência. “Muitas startups estão pivotando muito bem”, disse Fábio Póvoa, diretor da Smart Money Ventures. Na opinião dele, as startups precisam agir em três frentes: medida diretiva de curto prazo com foco nas pessoas, revisão dos processos de trabalho e planejamento financeiro, contendo revisão de custos, visibilidade do cenário realista e futuro. A partir disso, usar suas capacidades para endereçar essas necessidades.
Todo cuidado é pouco
Segundo João Busin, sócio responsável pela área de Private Equity e Venture Capital da Tozzini Freire Advogados, é possível ver organizações de um determinado ecossistema apoiando outras empresas das quais elas dependem, como o iFood, para reforço de caixa. “Além disso, percebemos que algumas organizações, que já estavam conversando entre si para algum tipo de investimento, estão partindo para soluções alternativas devido à falta de previsibilidade do valuation em função da crise, como fazer uma dívida conversível”.
Busin também disse que tem se adotado muito o chamado Stress Test como uma forma de analisar cenários possíveis dentro de uma crise, quais são as situações de estresse, inclusive antecipando eventuais contingências. “Temos ajudado nesse tipo de previsão, prestando apoio por meio de teses jurídicas, fiscais e trabalhistas”.
Na opinião de Gustavo Gierun, sócio da Distrito, não é hora de ser leniente nem inconsequente. “Tem que estar atento aos custos e ser realista de que é uma crise dura, onde as receitas serão impactadas”, disse. Além disso, ele destacou que as empresas precisam ter muito cuidado na hora da renegociação ou quebra de contratos, porque crises são passageiras e o mercado voltará à sua normalidade. “Não se pode correr o risco de manchar a imagem da empresa”.
Para Fábio, algumas startups não têm força e energia para navegar contra uma maré. “Marés muito menores matam startups, imagina uma pandemia em escala global”. Mesmo assim, na opinião dele, as startups são, em geral, mais resilientes, altamente adaptáveis em cenários digitais e, quando comparadas a outros mercados, estão em vantagem. “Por isso, elas precisam usar fortemente os canais digitais, fazer marketing de conteúdo, ver como suas soluções podem ajudar nesse cenário. As startups têm que entender como surfar a onda favorável quando há essa oportunidade ou puxar o freio e economizar caixa para conseguir sobreviver a curto e médio prazo”.
Mercado capitalizado
Uma coisa é certa: as empresas têm buscado sinergias, há muitas linhas de parcerias, e existe vontade do investidor em analisar o negócio com mais profundidade para apoiar o empreendedor de alguma forma. “O mercado, até então, estava muito bom, com força em funding e receita. Víamos o mundo corporativo investindo, contratando startups. Estava tendo uma tração interessante. Ou seja, ainda há dinheiro no mercado e muita gente boa buscando oportunidade. Os investidores serão mais seletivos e cautelosos, claro, mas agora é preciso ter paciência e cautela”, ponderou Gierun.
Na opinião de Busin, o mercado poderá ter até mais tolerância em relação aos resultados das empresas, mais compreensão, e os investidores terão de administrar suas expectativas. “Não é hora de ninguém ser imediatista”, reforçou. “Tem muitos founders que não têm experiencia e agora é hora deles crescerem como executivos. Menos PPT, menos WhatsApp, menos palco e mais planilha, mais gestão de caixa, mais sobrevivência. Nenhum investidor vai cobrir buraco de caixa em startup”, complementou Póvoa.
Para Victor Cabral Fonseca, especialista de Inovação da TozziniFreire Advogado, é primordial que cada investidor esteja bem posicionado, entenda o momento dele e o grau de risco que ele assume ao investir em determinada startup. “Vi muitos investidores pedindo um monte de exigências que não faziam sentido para aquele momento. Isso mais prejudica do que ajuda”.
Otimismo e colaboração
Maria Rita reforçou que as startups e investidores têm o privilégio de pertencer a uma das redes mais colaborativas da indústria e que é preciso que todos se ajudem e colaborem entre si, “para chegarem juntos do outro lado do rio com um ecossistema melhor e mais forte”. “Se você está numa situação de fluxo de caixa apertado, fale com seu investidor, construa esse relacionamento. No final do ano, se você construiu bem essa ponte, você tende a chegar lá”, completou Gamboa.
“Acho que sairemos dessa crise mais fortes, amadurecidos. As coisas não vão parar completamente, porque hoje vimos que podemos fazer muita coisa remotamente. Haverá mudanças profundas, mas acho que no fundo o balanço será positivo. Temos olhado tudo isso com o viés do copo meio cheio, tentando construir soluções que permitam a continuidade dos negócios. Bons negócios vão sobreviver, e que a gente siga dentro da normalidade possível”, finalizou Busin.
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