Um dos pilares que sustentam a Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O) é a defesa de boas práticas que criem relações harmoniosas entre empresas e clientes – e que evitem, claro, os conflitos nos órgãos de defesa do consumidor e até na Justiça. A entidade mantém uma agenda pública e anual de debates sobre o tema, inclusive apontando diretrizes para que fornecedores e clientes sejam felizes dentro da nossa sociedade de consumo. Paralelamente a isso, a entidade defende valores que pavimentaram os ideais democráticos tanto na velha quanto na nova economia: a livre iniciativa e a defesa da concorrência.
Para fortalecer ainda mais essa agenda, a associação anuncia a criação do Conselho Consultivo. Para contribuir com os temas de Consumo e Concorrência, Luciano Benneti Timm é o mais novo conselheiro a integrar este time.
Timm é advogado e ex-titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), formado em direito pela PUC do Rio Grande do Sul e é doutor e Mestre em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na Senacon, Timm ganhou projeção nacional ao defender um modelo de defesa do consumidor a partir do prestígio à concorrência e, sobretudo, ao equilíbrio na relação entre clientes e empresas – temas que se coadunam com os pilares da entidade. Acompanhe a primeira entrevista do advogado para a ABO2O.
Na sua vida profissional e acadêmica, direito e economia sempre andaram juntos. O que poderia destacar sobre esse movimento chamado economia digital?
Luciano Bennetti Timm – Sabemos que a economia digital virou o termo da moda dentro da chamada Revolução 4.0. A sua relevância foi simbolizada em uma histórica capa da The Economist que dizia, em última análise, que o dinheiro e a inovação estão nos dados e na economia digital.
Isso está ocorrendo porque a informática e setor computacional processam dados com uma rapidez que até então não existia. É um processo que lembra em alguma medida o que vimos com a máquina a vapor, a introdução da eletricidade e, agora, o processamento de dados. No entanto, o movimento atual na direção dos dados é um salto ainda maior que os anteriores. É realmente uma disrupção, usando o termo da moda.
Basta olhar o que aconteceu com as marcas nos últimos anos. Se pegarmos as marcas mais valiosas em 2006, por exemplo, teremos Marlboro e as montadoras de veículos na liderança. Em 2015, ou seja, menos de 10 anos depois, já estavam no topo o Google e o Facebook. É um movimento sem volta e a pandemia acelerou ainda mais tudo isso, fazendo com que andássemos anos em poucos meses.
Veja: esse movimento não é negativo e nem positivo, mas uma tendência tecnológica. O lado positivo é que isso permite circular a informação a um preço menor. Isso também confere mais poder ao consumidor, que tem acesso à informação a um baixo custo. Por outro lado, você compensa com o processamento de dados pessoais.
Capa da revista The Economist destacando a importância dos dados na nova economia
Particularmente, o que pensa sobre esse rápido avanço das empresas de tecnologia na nossa sociedade.
L.B.T – Elas são rápidas e disruptivas, porém permitem uma grande concentração empresarial e isso faz com que exista um risco para a democracia e para o livre mercado. É por causa disso que surgiu o direito concorrencial. Democracia e livre mercado andam juntos. Pequenas e médias devem ter acesso à livre iniciativa, além de entrar e permanecer de maneira equânime no mercado. Cuidar da concorrência é cuidar do consumidor, pois entendo que são complementares.
Há, por fim, uma terceira perna ou tripé regulatório que essas empresas precisam se atentar: o uso de dados pessoais.
Quais são os pontos positivos das empresas inseridas na economia digital? E quais são os desafios, segundo o seu ponto de vista?
A primeira é ter muita informação disponível a custo baixo. Há dez anos, por exemplo, um estudante de direito que não morasse em Brasília, não teria acesso as decisões do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Hoje, ele tem acesso a essas informações e tudo em tempo real. Ele pode, inclusive, acompanhar algumas reuniões na internet. Ou seja, esse movimento democratizou o acesso à informação. No entanto, para que isso ocorra, a pessoa precisa pagar com os seus dados pessoais. Esse é o trade off.
Eu sempre gosto de usar como exemplo positivo o serviço do Spotity. Eles colhem os meus dados e me informam sobre novas músicas a partir do meu gosto. É um uso que agrega a minha vida.
O que não podemos aceitar é quando uma plataforma de busca joga o consumidor para uma loja própria. Como fica o empresário da pequena loja?
Ainda sobre dados pessoais, o senhor destacaria outro desafio para empresas que utilizam esse artifício?
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) levanta a discussão importante sobre a inteligência artificial. De um lado ganharemos muito com a internet das coisas, pois tudo será feito a partir de um simples clique ou outros tipos de comandos. Ao mesmo tempo, estamos falando de uma tecnologia em que um hacker botaria fogo na minha casa a partir da torradeira. A OCDE está preocupada com isso.
Além disso, há uma nova lei (Lei Geral de Proteção de Dados ou apenas LGPD) que presume uma nova cultura. No passado, por exemplo, você comprava um disquete com diversos CPFs na Santa Ifigênia e consumava-se o vazamento de informações. Foi assim e é assim nos dias de hoje. Você tem um mercado de dados que já acontecia no passado e persiste no presente. A nova lei pode mudar isso. Precisamos destacar ainda a nova cultura das organizações sobre o tema da proteção de dados.
Para finalizar, você diria que a velha economia e economia digital podem coexistir?
Na perspectiva de (Joseph Alois) Shumpeter* (ver box abaixo) ela (velha economia) deixa de existir. Mas, hoje, nem tudo deixa do modelo antigo deixou de existir. Qual foi a grande ruptura da aviação nos últimos 20 anos? Banco é outro exemplo de algo que parou no tempo e tende a ser substituído por um banco digital ou outras formas de circulação de dinheiro que devem surgir.