Para o especialista Caio Ramalho, ainda há muito a ser melhorado estruturalmente, mas já é possível encontrar alguns ecossistemas locais efervescentes
Entre os anos 2012 e 2017, o número de startups cadastradas mais que dobrou: foi de 2.519 para 5.147, segundo levantamento da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Atualmente, o mesmo estudo aponta que existam cerca de 12 mil empresas com esse perfil, de acordo com a Startupbase, a base de dados oficial do ecossistema brasileiro de startups. Mas e o número de investidores, será que tem acompanhado esse panorama? Como podemos avaliar o atual cenário de investimentos no Brasil?
“Engatinhando”, resume Caio Ramalho, que lidera o Grupo de Estudo sobre Investimentos e Venture Capital no Instituto Startups e mediará um painel de debates no Congresso O2O Innovation Xperience sobre o tema. Com mais de 20 anos de experiência nesse mercado, entre consultorias e coordenação de atividades relacionadas ao mercado de Private Equity e Venture Capital no País, Caio afirma que ainda há muito a ser melhorado estruturalmente, de forma a garantir um crescimento sustentável nas próximas décadas, mas que já é possível encontrar alguns ecossistemas locais efervescentes.
Nesse bate-papo com o Instituto Startups, Caio opina sobre o atual cenário de investimentos no País, comenta os desafios do setor, os “confrontos” entre os grandes players e os investidores individuais e muito mais. Confira!
INSTITUTO STARTUPS (IS) Como você classifica o atual cenário de investimento em startups/empreendedorismo no Brasil em termos de maturidade?
CAIO RAMALHO (CR) No agregado, o Brasil ainda está em sua infância, engatinhando, embora muitas vezes tente correr mesmo sem ter aprendido a andar. Ainda há muito a ser melhorado, para garantir um crescimento sustentável nas próximas décadas. Porém, já encontramos alguns ecossistemas locais efervescentes, tais como São Paulo e Florianópolis, onde já foram dados saltos relevantes na maturidade do empreendedorismo inovador de alto impacto.
IS: Quais os dados mais recentes desse cenário?
CR: O mais emblemático é o surgimento, nos últimos anos, de novas gestoras de Venture Capital, focadas em seed e séries A. Atrelado a isso, vemos o investimento de algumas gestoras de Venture Capital internacionais no Brasil, especialmente em rodadas posteriores e de maior volume (séries B, C e D). Além disso, segundo dados da Anjos do Brasil, o investimento-anjo praticamente dobrou entre 2012 e 2018, passando dos R$ 900 milhões. Esse movimento, mesmo assíncrono, já produziu alguns unicórnios no Brasil, sendo a perspectiva bastante promissora para os próximos dez anos.
IS: Você acha que temos um bom número de investidores ativos hoje no País?
CR: Sim, mas ainda estamos muito aquém do potencial. Embora tenha acontecido um movimento de family offices e corporações nesse segmento, o principal investidor de Venture Capital no mundo e de fundo de pensão ainda está afastado desta classe de ativo no Brasil, com apenas alguns olhando timidamente certas oportunidades. Já o segmento de investimento-anjo também é muito pequeno, embora o Brasil tenha o potencial de um volume dez vezes maior, segundo dados da Anjos do Brasil.
IS: O que define hoje um bom investidor?
CR: Um bom investidor entende profundamente o que é ser um bom investidor. Parece óbvio e até um pouco filosófico, porém não é trivial. É necessário compreender muito bem cada etapa do processo – buscar, encontrar, selecionar, avaliar, investir, monitorar e vender bons negócios. Ele também deve saber que não existe (ou não deveria existir!) rivalidade entre investidor e empreendedor, mas que ambos são parceiros em todas as etapas do processo, e por isso seus interesses precisam estar alinhados.Além disso, o bom investidor não aloca uma grande parcela de seus recursos em um ou dois negócios, mas, sim, busca a diversificação de seu portfólio de forma a reduzir seus riscos e maximizar seus retornos.
IS: Quais são os tipos de investimentos mais comuns e como eles funcionam?
CR: Venture Capital, onde gestores profissionais captam recursos junto a investidores (fundos de pensão, family offices, endownments, etc.) para investir em startups e scale-ups. Esse é cada vez mais um play global, principalmente em volumes maiores de capital (séries C e D). Já os investidores-anjo são pessoas físicas que investem seus próprios recursos de forma individualizada ou por meio de grupos formados, caso a caso, com o auxílio de associações de investidores-anjos. Este é mais local e normalmente muito focado em microrregiões, mas que com a facilidade de comunicação e consequente monitoramento dos investimentos, por meio de tecnologia e parcerias entre redes de investidores-anjos, tem avançado para raios maiores de atuação.
Cabe notar uma outra modalidade, que não é investimento-anjo nem Venture Capital, que surgiu nos últimos anos: o equity crowdfunding. São investimentos, usualmente de pessoas físicas, feitos por meio de plataformas de investimento coletivo. Este também não é um fenômeno exclusivo do Brasil, mas existe há alguns anos em vários países.
IS: Existem áreas em que o investimento é mais propício? Quais?
CR: Os investidores buscam maximizar seus retornos, minimizando seus riscos. Para tal, buscam negócios que resolvam um problema real em um mercado realmente grande, que sejam altamente escaláveis e com um time de fundadores excelente para fazer isto acontecer.
IS: Quais os principais erros que algumas startups praticam ao conseguir um investimento?
CR: Não ter se preparado para buscar investimento. Isso é, infelizmente, muito comum. O empreendedor não fez o dever de casa direito, não se preparou, não se informou. Isso é inaceitável hoje em dia com tanta informação de qualidade acessível gratuitamente na internet. Também é muito comum o empreendedor querer o investimento “para ontem”, pois ficou sem caixa e pode até quebrar.
Outro erro é não ter dado atenção para a governança corporativa, desde a fase de concepção da startup. Sim, governança corporativa também é para startups e sugiro a todos os empreendedores (além de investidores e demais stakeholders do ecossistema) a leitura do caderno Governança Corporativa para Startups e Scale-ups lançado este ano pelo IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
IS: Atualmente, grandes companhias se interessam em adquirir startups ou criar a própria dentro do ambiente corporativo. O quanto essa onda é realmente efetiva ou apenas “hype“?
CR: É real e grande! Por isso mesmo vem acompanhada de “hype“. As corporações, de modo geral, são grandes, lentas e burocráticas. Logo, o meio de sobreviver é engolir rapidamente o máximo o conhecimento, antes que o conhecimento a engula. Em outras palavras, vivemos numa espécie de neodarwinismo da Era do Conhecimento.
IS: Existe um “confronto” de interesses entre os investidores individuais e essas grandes empresas?
CR: Na verdade, há espaço para todos os players, pois cada um desempenha um importante papel na construção da cadeia de valor do ecossistema de startups. Pode acontecer, claro, alguma competição em alguns casos, mas essa complementariedade de cada fase leva a um ambiente de colaboração, que é chave para o desenvolvimento sustentável desse mercado. É assim também ao redor do mundo.
IS: Obter um investimento é sinal de que o negócio vai decolar?
CR: Não, apenas que mais uma etapa foi superada. Entre o investimento e o sucesso muita coisa pode dar errado. De fato, em média, apenas um ou dois investimentos em startups num portfólio de quinze a vinte (às vezes, até mesmo de 30-40 investimentos), dependendo da tese e estágio dos negócios, são de alto retorno.
IS: Além do aporte financeiro, quais outros “serviços” os investidores prestam aos empreendedores hoje?
CR: Depende do tipo de investidor. Se for chamado “smart money“, por exemplo, o Venture Capital e o investimento-anjo propõem não apenas o capital, mas um “pacote” de valor agregado junto com esse investimento (por exemplo, networking de alto nível com potenciais clientes e fornecedores, orientação em decisões estratégicas etc.). Porém, o formato em que isso ocorre varia muito, especialmente de acordo com o estágio em que se encontra a empresa investida e do perfil e tese de investimento dos investidores.
IS: Qual o papel do governo para incentivar o ecossistema de empreendedorismo no País?
CR: Temos uma cultura de negócios no Brasil, histórica, de dependência do Governo, o que sempre atrapalhou o empreendedorismo brasileiro ao longo dos séculos. Felizmente, esse panorama está mudando, sendo facilitado pelas transformações tecnológicas mundiais. O melhor a ser feito é o Governo sair da frente para não atrapalhar, atuando apenas como garantidor de um ambiente pró-negócios, com liberdade econômica e segurança jurídico-institucional.
Quem é Caio Ramalho
Caio Ramalho lidera o Grupo de Estudo sobre Investimentos e Venture Capital no Instituto Startups. Possui mais de 20 anos de experiência em Investimentos e Análise de Negócios, com atuações em Private Equity & Venture Capital, Asset Management, Banco de Investimentos e Consultoria. Na área acadêmica, é fundador e coordenador do FGVnest – Núcleo de Estudos em Startups, Inovação, Venture Capital e Private Equity da FGV.
Professor de disciplinas em Private Equity, Venture Capital e Investimento em Startups em diversos cursos de pós-graduação e MBAs. Coordenador do MBA em Private Equity, Venture Capital e Investimentos em Startups da FGV, da pós-graduação Direito para Startups e Empreendedores da FGV Direito Rio e da pós-graduação Lawtechs: Programação para Advogados e Empreendedores da FGV Direito Rio. Organizador e coautor de dois livros sobre a indústria de Private Equity e Venture Capital no Brasil.