Inovação Digital e Tecnologia na Centralidade do Cliente

O jogo da inovação: um código que precisamos quebrar no Brasil

Embora o Brasil seja a nona maior economia do mundo, representamos apenas 1,6% dos investimentos totais globais em inovação. Como mudar esse cenário?

Apesar de possuir a nona maior economia do mundo, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos quando o assunto é inovação. Os investimentos em ciência e tecnologia representam apenas 1,6% do total global, segundo dados da UNESCO, evidenciando um descompasso entre o potencial econômico do país e seu desempenho no cenário inovador internacional. Esse cenário reflete obstáculos estruturais que dificultam o avanço tecnológico e a competitividade das empresas brasileiras no mercado global.

Muitas vezes, vemos iniciativas fragmentadas que, apesar de bem-intencionadas, não alcançam a escala necessária para causar um impacto significativo. Outro ponto importante é a burocracia e o ambiente regulatório, que frequentemente criam barreiras para a inovação. Empresas, especialmente startups, enfrentam desafios para obter financiamento, proteger propriedade intelectual e escalar seus negócios

Para Ricardo Polisel Alves, Diretor Executivo e líder da área de Technology Strategy and Advisory da Accenture na América Latina, um dos pontos críticos está relacionado a burocracia e o arcabouço regulatório no País, que frequentemente criam barreiras para a inovação. Empresas, especialmente startups, enfrentam desafios para obter financiamento, proteger propriedade intelectual e escalar seus negócios”, afirma em entrevista à plataforma Inovativos.

Por outro lado, Ricardo cita boas ações no País. Uma delas é o Prêmio Inovativos, uma iniciativa da Inovativos em parceria com a FGV e a própria Accenture que busca fomentar a inovação no ambiente de negócio a partir de cinco pilares: centralidade do cliente, sustentabilidade, valor para o negócio, valorização das pessoas e o uso das tecnologias.   

“Primeiro, embora os investimentos em ciência e tecnologia tenham crescido, há uma necessidade de uma estratégia mais estruturada e alinhada entre o setor público, privado e academia – trata-se, inclusive, do que temos buscado fomentar nos últimos três anos com o Prêmio Inovativos.”, afirma. Polisel, que é graduado em engenharia mecânica pela USP e possui vasta experiência em serviços financeiros, aviação, varejo e meios de pagamentos, concedeu a seguinte entrevista a Inovativos. 

Inovativos – Embora os investimentos em ciência e tecnologia no Brasil tenham crescido nos últimos anos, eles ainda representam apenas 1,6% do total global. Esses números estão aquém do esperado para um país com a nona maior economia do mundo. Na avaliação de vocês, onde estamos errando quando o assunto é inovação?

Ricardo Polisel – Quando analisamos o cenário de inovação no país, é importante considerar alguns fatores-chave que afetam nosso desempenho. Primeiro, embora os investimentos em ciência e tecnologia tenham crescido, há uma necessidade de uma estratégia mais estruturada e alinhada entre o setor público, privado e academia – trata-se, inclusive, do que temos buscado fomentar nos últimos três anos com o Prêmio Inovativos. Muitas vezes, vemos iniciativas fragmentadas que, apesar de bem-intencionadas, não alcançam a escala necessária para causar um impacto significativo.

Outro ponto importante é a burocracia e o ambiente regulatório, que frequentemente criam barreiras para a inovação. Empresas, especialmente startups, enfrentam desafios para obter financiamento, proteger propriedade intelectual e escalar seus negócios. Um ambiente mais ágil e favorável à inovação é essencial para que o Brasil possa competir globalmente.

Além disso, a educação é um aspecto crítico. Precisamos de uma maior ênfase em STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática) desde as primeiras fases da educação até o ensino superior. Isso criaria uma base de talentos mais robusta, preparada para desenvolver e implementar novas tecnologias. E, de forma geral, é super importante destacar a necessidade de uma cultura de inovação. Incentivar a experimentação, aceitar o fracasso como parte do processo e promover a colaboração entre setores são atitudes que devem ser fomentadas. Empresas que abraçam a transformação digital e a inovação contínua têm mais chances de liderar em seus respectivos mercados.

Inovativos – Ainda sobre investimentos, mais especificamente em inteligência artificial, o governo dos EUA projeta investir R$ 63 bilhões em P&D de IA entre 2021 e 2024, além de outros R$ 380 bilhões em investimentos privados estimados. Na China, serão R$ 306 bilhões em datacenters em 2024 e R$ 39 bilhões em investimentos privados em 2023. No Brasil, a promessa é mais modesta, com um investimento público de R$ 23 bilhões a partir de um recém-lançado programa estatal. Esta é, sem dúvida, uma área estratégica para a economia digital, principalmente porque envolve o uso da tecnologia em diferentes áreas, como serviços financeiros, atendimento ao cliente, RH, cibersegurança, varejo, entre outras. Como competir nesse cenário? Assim como ocorre nos EUA, o correto seria apoiar o desenvolvimento da tecnologia no cenário nacional?

Ricardo Polisel – Apesar dos números expressivos que vemos nos Estados Unidos e na China, acredito que o Brasil não deve se concentrar apenas em competir diretamente em termos de volume de investimentos. Em vez disso, devemos focar em como podemos alavancar nossa capacidade única de inovação para criar soluções que atendam às nossas necessidades específicas e, ao mesmo tempo, tenham potencial de escala global.

Ainda mais importante do que direcionar investimentos para uma tecnologia ou solução específica é a preocupação de se construir o que chamamos de um “Core Digital” robusto nas organizações, em que a IA não é apenas uma tecnologia a ser adotada, mas o núcleo que impulsiona a transformação. Isso significa que as empresas brasileiras, com o apoio do governo, devem se concentrar em criar uma infraestrutura digital que permita a inovação contínua e a integração de IA em processos críticos de negócios.

Por outro lado, precisamos de um ecossistema colaborativo, que envolva o setor público, privado, universidades e startups, para impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento em IA. Isso inclui políticas públicas que incentivem a inovação, a criação de centros de excelência em IA, e um ambiente regulatório que promova a experimentação segura. Portanto, enquanto o investimento é crucial, a maneira como direcionamos esses recursos e construímos um ambiente propício para a inovação será determinante. O Brasil tem o potencial de criar soluções únicas e de alto impacto que podem competir globalmente, mas isso exigirá uma abordagem coordenada e visionária que vai além do simples investimento em tecnologia.

Inovativos – Ainda sobre IA, há quem aposte na construção de uma “Green AI”, uma inteligência artificial com baixa pegada de carbono. Um dos caminhos seria a utilização de energia limpa no treinamento de IAs, algo em que o Brasil poderia se destacar. Essa poderia ser a contribuição brasileira para a área de IA? O que pensam sobre o tema?

Ricardo Polisel – O Brasil tem certamente uma oportunidade única de liderar esse movimento, dada a nossa matriz energética, que é predominantemente renovável.

Energia limpa, em maior ou menor escala, todo país tem. A vantagem no Brasil é que podemos aumentar a geração de fontes limpas com garantia de entrega de energia também no período noturno (ex. pequenas centrais hidrelétricas, termelétricas flexíveis a biomassa, etc.). Com essa abundância de possibilidades com energia limpa, podemos não só reduzir a pegada de carbono dos nossos modelos de IA, mas principalmente promover essa abordagem sustentável como um novo padrão global.

Essa visão está bastante alinhada com o conceito de Total Enterprise Reinvention, onde as organizações são incentivadas a reinventar suas operações com um olhar atento à sustentabilidade. Na verdade, eu enxergo que o Brasil pode inclusive ir além, liderando a criação de novos modelos de negócios e de inovação que coloquem a sustentabilidade no centro da estratégia de IA. Isso inclui o desenvolvimento de práticas e tecnologias que otimizem o uso de recursos e minimizem o desperdício energético, algo que poderia ser exportado como um modelo de sucesso para outros países. Isso não só posicionaria o país como um líder em inovação sustentável, mas também alavancaria nossa posição estratégica em um mundo onde a sustentabilidade está cada vez mais no centro das decisões empresariais e tecnológicas.

Inovativos – Atualmente, quais setores lideram e impulsionam a inovação no Brasil? O setor financeiro é considerado um dos grandes exemplos globais, assim como o agronegócio. Quais seriam os outros? Poderiam nos contar um pouco sobre o que esses setores têm feito?

Ricardo Polisel – Aqui eu poderia citar três setores. O setor de saúde, por exemplo, tem mostrado um forte impulso em inovação, especialmente com o crescimento das healthtechs, que estão desenvolvendo soluções tecnológicas para melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde. As empresas e instituições brasileiras têm sido pioneiras na utilização de IA para diagnósticos médicos, telemedicina e gerenciamento de dados de saúde, o que tem sido crucial, especialmente em um país com grandes disparidades regionais em termos de acesso à saúde. A Accenture inclusive tem ajudado algumas empresas do setor com soluções focadas em aumentar a eficiência do negócio para que elas possam focar no core.

O setor de energia é outro em que o Brasil se destaca globalmente. O país já é um dos maiores produtores de energia limpa do mundo, e as empresas brasileiras estão na vanguarda da inovação em energias solar, eólica e biomassa – com casos de uso que incluem uso de IA e big data para otimizar a gestão de redes de distribuição de energia e smartgrids/microgrids. Essas tecnologias não só contribuem para a sustentabilidade, mas também são essenciais para apoiar outros setores, como com a “Green AI” mencionada anteriormente, e para garantir que a infraestrutura energética do país possa suportar o crescimento contínuo.

O setor de varejo também tem sido um grande impulsionador de inovação, com a rápida adoção de e-commerce e tecnologias omnichannel. As empresas estão usando IA e big data para personalizar a experiência do cliente, prever tendências de consumo e otimizar a cadeia de suprimentos. Além disso, o varejo brasileiro tem se destacado na adoção de métodos de pagamento digitais, como carteiras virtuais e PIX, que têm transformado a maneira como os consumidores fazem compras.

Inovativos – Na avaliação de vocês, qual será um campo fértil para inovação no Brasil no médio ou longo prazo?

Ricardo Polisel – No médio e longo prazo, vários campos têm potencial para se tornarem férteis para inovação no Brasil, refletindo tendências globais e aproveitando as forças e recursos específicos do país. Embora o setor financeiro já seja um líder em inovação no Brasil, há espaço para mais crescimento e evolução, especialmente em áreas como fintechs, criptomoedas e blockchain. O desenvolvimento de soluções de pagamento mais inclusivas, novas formas de financiamento e a integração de tecnologias emergentes podem criar novas oportunidades e modelos de negócios no setor financeiro.

No setor agrícola, a integração de tecnologias como drones, IoT, e inteligência artificial pode levar a uma maior eficiência e sustentabilidade. Além disso, o desenvolvimento de novas variedades de culturas e soluções para manejo sustentável pode ajudar a manter o Brasil na vanguarda da inovação agrícola.

Inovativos – Atualmente, temos algumas dimensões sobre a inovação nos negócios. Existe a inovação disruptiva em produto ou serviço, caso do Uber. Há também quem revoluciona uma cultura organizacional ou muda processos, como foi a cultura do Google. Temos ainda ideias que focam na centralidade do cliente, caso do Netflix, Apple e tantos outros. Há ainda aquelas empresas que focam suas ações na sustentabilidade e até aqueles que utilizam tecnologia para mudar o negócio, caso dos marketplaces. Olhando essas dimensões, quais delas, na média, temos empregado no Brasil? Além disso, o que falta para desenvolvermos outras dimensões? Destacaria outras dimensões?

Ricardo Polisel – No Brasil, eu destacaria algumas dimensões, como: Core Digital Sólido, onde cerca de 80% dos casos de sucesso avaliados utilizaram ao menos um elemento do core digital sólido (Cloud, Dados, Inteligência Artificial, segurança e plataformas) como um pilar de sua inovação, sendo que 40% deles se concentrou fortemente em aplicações de Inteligência Artificial.

Além disso, organização sem fronteiras e centrada no cliente, demonstrando que empresas que tiveram sucesso em suas inovações transformacionais lidam com as pessoas compreendendo cuidadosamente o seu cliente – visão externa – e conectando esses clientes com a sua organização – visão interna. A Inovação com propósito socioambiental tem o potencial transformacional de inovações com propósito para enfrentar os desafios da população brasileira no cenário macroeconômico atual.

O pilar de impacto social foi o impacto de ESG mais citado no estudo. Entre os casos que apresentaram resultados neste pilar, 80% mencionaram elementos de impacto social como a ampliação de empreendedorismo, empregabilidade e crescimento econômico. O que falta desenvolver são a cultura organizacional e inovação interna, pois falta uma mentalidade de experimentação e aceitação do fracasso como parte do processo de inovação. A hierarquia rígida e a resistência a mudanças culturais também são barreiras.

Inovativos – Especificamente sobre a inovação digital nas empresas, temos visto no mundo o surgimento de muitas nativas que buscam a exponencialidade, com a sua forte relação na virtualização dos negócios e, do outro lado, as empresas mais tradicionais buscando justamente acelerar a transformação digital. Qual é a sua avaliação sobre o processo de digitalização nos negócios no Brasil? Empresas tradicionais têm feito um bom trabalho no processo de transformação digital?

Ricardo Polisel – Podemos citar como avanços no processo de digitalização dos negócios no brasil a Implementação de Tecnologias Digitais: como Big Data, IoT, inteligência artificial, e automação para otimizar operações e melhorar a experiência do cliente, além disso, a Cultura de Inovação cria áreas dedicadas à digitalização e inovação dentro de suas estruturas. Outro ponto são Parcerias com Startups que têm sido uma estratégia para beneficiar-se de novas tecnologias e práticas ágeis.

Podemos citar com desafios a Resistência Cultural: muitas empresas tradicionais, a resistência à mudança ainda é um grande obstáculo, a Infraestrutura Legada que são difíceis de integrar com novas tecnologias podem atrasar a adoção de soluções digitais inovadoras, a falta de Capacitação entre a força de trabalho. Investir em treinamento e desenvolvimento de pessoal é crucial para uma transformação bem-sucedida.

Alguns cases de sucesso incluem varejistas que se reinventaram para irem além de uma rede de lojas físicas em se tornarem grandes marketplaces online no Brasil, integrando suas operações físicas e digitais de maneira eficiente. Eles utilizam tecnologias de big data, machine learning e desenvolvimento ágil para melhorar a experiência do cliente. E alguns bancos tradicionais que investiram de forma eficiente em digitalização, oferecendo uma série de serviços bancários digitais para competir com FinTechs emergentes.

Inovativos – Pelo mundo fora vemos estudos e premiações bem sucedidas e que estimulam a inovação nos negócios. É o caso da Fast Company nos EUA, por exemplo. Qual é a sua avaliação sobre a importância destas iniciativas? A Accenture tem se empenhado em contribuir para o fomento da inovação nos negócios no Brasil, e cito como exemplos a participação da empresa no Estudo e Premiação Inovativos, realizado também em parceria com a FGV e uma banca de jurados e especialistas setoriais. O que podemos concluir a partir deste estudo? Quais as principais conclusões puderam ser tiradas?

Ricardo Polisel – Iniciativas como os prêmios da Fast Company nos EUA são extremamente importantes porque incentivam a inovação, criam um ambiente de competição saudável e destacam melhores práticas que podem ser replicadas em diferentes setores. Elas ajudam as empresas a se manterem atualizadas com as tendências do mercado e a buscar continuamente a melhoria e a inovação em seus processos. A participação da Accenture no Estudo e Premiação Inovativos, em conjunto com a FGV e especialistas do setor, demonstra um compromisso concreto com a promoção da inovação nos negócios no Brasil. Do estudo, podemos tirar algumas conclusões relevantes:

Adoção de Tecnologias Disruptivas: As empresas que mais se destacaram são aquelas que adotaram tecnologias disruptivas em seus negócios, tais como inteligência artificial, Internet das Coisas (IoT) e blockchain.

Cultura de Inovação: Uma cultura organizacional que valoriza a inovação e incentiva a experimentação e o aprendizado contínuo se mostrou um dos principais fatores para o sucesso das iniciativas inovadoras.

Parcerias Estratégicas: A colaboração com startups, universidades e outras empresas foi identificada como uma estratégia eficaz para acelerar a inovação e desenvolver soluções criativas e eficazes.

Foco no Cliente: Empresas que colocam o cliente no centro de suas estratégias de inovação, buscando continuamente melhorar a experiência do usuário através de feedbacks e análise de dados, tiveram resultados mais positivos.

Capacitação e Desenvolvimento: Investir no desenvolvimento contínuo das habilidades e competências dos colaboradores foi um ponto comum entre as empresas mais inovadoras, mostrando que a inovação começa com pessoas bem treinadas e motivadas.

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