O PIX é uma das inovações mais importantes do sistema financeiro brasileiro, revolucionando a forma como as transações são feitas. Mas, apesar de seu sucesso, ainda existem desafios, principalmente na experiência do usuário. Atualmente, para realizar um pagamento via PIX, seja presencial ou online, é necessário abrir o aplicativo do banco e aguardar a confirmação. Embora pareça um detalhe sem muita importância, o fato é que essa etapa adicional tem impacto direto na conclusão de compras, segundo observa Ricardo Marson, especialista em meios de pagamento e Superintendente de Produtos da Getnet, em entrevista à Inovativos.
“A experiência, sem dúvida nenhuma, pode direcionar a escolha do lojista”, afirma Marson. A solução para esse entrave já está no horizonte: o PIX por aproximação. Com testes previstos para novembro e lançamento em 2025, essa nova tecnologia promete simplificar ainda mais o processo de pagamento. Além disso, há expectativas de que ela impulsione o uso em massa de carteiras digitais.
A Inovativos conversou com Marson sobre esse e outros temas relacionados aos meios de pagamento, incluindo o Open Finance. Confira a seguir a entrevista completa.
Inovativos – O que pensa sobre o PIX por aproximação? Há quem acredite no potencial disruptivo justamente porque aprimora tanto a experiência quanto a segurança da própria tecnologia.
Ricardo Marson – O PIX, assim como os outros meios de pagamento que temos hoje em nossa plataforma, é algo em que apostamos bastante. E por que o PIX chama tanta atenção? Por toda a disrupção e o crescimento que ele apresentou nos últimos anos. Hoje, a oferta do PIX ocorre em todos os nossos canais de captura. Para nós, sim, é um dos principais métodos de pagamento. Quando falo sobre o percentual de penetração da nossa base, vemos que boa parte dela utiliza a Getnet ou tem a Getnet como parceira para aceitar PIX, muito por conta da conveniência que oferecemos no momento do pagamento.
Além da questão de segurança do PIX, há a questão da experiência, que tem dois lados. O primeiro é o do comprador, que enfrenta fricção na hora do pagamento, e o PIX por aproximação resolve isso. Ele trará justamente o engajamento de pessoas que preferem outro tipo de meio de pagamento em relação ao PIX. Hoje, nossos parques de terminais têm quase 100% de aceitação por aproximação. Um dado importante da Abex, por exemplo, mostra que, do total de pagamentos físicos, 60% são feitos com cartão (crédito e débito) por aproximação. Então, sem dúvida, é um ponto que acreditamos que, tão logo tenhamos as diretrizes do Banco Central sobre o PIX por aproximação e todas as especificações, certamente haverá um ganho de experiência e, por consequência, um aumento no uso.
Ainda sobre o tema, olhando todo o cronograma do Banco Central e, principalmente, os próximos lançamentos, penso que o PIX, junto com o Open Finance, serão possivelmente os dois principais protagonistas de inovação na indústria de pagamento. Quando olho para o PIX automático, o PIX sem redirecionamento, PIX para pagamento em lote e PIX agendado, vejo uma série de funcionalidades tanto para o pagador quanto para o recebedor.
No fim do dia, na minha visão, a escolha na hora de pagar vai depender de vários fatores. Tem o comprador que, diante da possibilidade de pagar via crédito, débito, PIX ou boleto, escolhe um meio de pagamento em detrimento de outro. E quanto ao recebedor? Algumas soluções que mencionei até agora trazem fricção no momento do checkout. Então, como eliminar isso? E, ao eliminar essa fricção no checkout, estou apenas tornando o pagamento mais rápido ou também mais seguro? Esses são alguns componentes que, sem dúvida, estarão na equação sobre quais meios de pagamento terão maior destaque.
Inovativos – Aproveitando a questão do Open Finance e a importância da experiência, há muita expectativa sobre ela. Sob o ponto de vista de experiência, o Open Finance poderá oferecer uma leitura mais minuciosa do cliente. Quais tipos de dados vocês esperam encontrar para melhorar o CX nos meios de pagamento?
Ricardo Marson – O primeiro ponto sobre dados que temos é o perfil transacional daquele estabelecimento comercial. Assim, toda vez que há uma quebra nesse padrão, pode ou não levantar uma bandeira vermelha aqui na Getnet. O mesmo vale para o pagador. Quando vejo o cartão dele circulando em diferentes lugares, transacionando por diferentes estabelecimentos, consigo identificar padrões. Mas, para ter uma visão holística do cliente, faltavam dados que o Open Finance oferecerá por meio do seu ecossistema. Começo a responder perguntas como, por exemplo, quais são as outras formas de recebimento que o lojista tem? Quais são as outras contas? Quanto ele movimenta? Com essas informações adicionais, a perspectiva sobre o cliente é muito mais ampla.
Além disso, ainda sobre dados transacionais, também consigo identificar o apetite de risco e segurança em relação ao cliente. Essa é uma vertente do Open Finance que temos aqui. Quando falamos da Getnet como empresa de pagamento, o leque de possibilidades é muito maior, pois falamos da iniciação de pagamento. Para nossa indústria, a iniciação de pagamento é o que pavimentará as grandes e principais inovações. Por exemplo, o PIX “copia e cola”. Hoje, você vai da interface em que está diretamente para o seu banco, apenas para fazer essa autenticação. No futuro, essa autenticação será silenciosa, sem fricção, sem redirecionamento. Então, sem dúvida, para a indústria de pagamentos, tanto dados quanto a iniciação de pagamentos têm um valor enorme, e já estamos fazendo uso disso.
Inovativos – As máquinas surgiram como leitores de cartões de crédito e débito, mas agora já recebem pagamento por aproximação e exibem QR Codes para pagamento. Qual delas é a mais popular nos dias de hoje?
Ricardo Marson – Depende muito. Para isso, preciso trazer algumas personas. Tenho casos de clientes que praticamente não processam mais transações de débito com a Getnet, e todo esse volume virou PIX. Ou seja, para esses clientes houve uma substituição do débito pelo PIX. Ainda assim, para esses mesmos clientes, continuo vendo um volume natural de transações de crédito. Eu ainda tenho um público com o mesmo volume de crédito, mas que acrescentou um novo volume de transações PIX, ou seja, para esses clientes, a tese é que eles estão substituindo dinheiro ou outros métodos de pagamento pelo PIX.
Por outro lado, tenho alguns clientes que não processam PIX conosco, e é justamente aqui que surgem casos mais intrigantes. Há empresas de delivery que optaram por não aceitar o PIX no momento da entrega por questões de fraude. Nós, como empresa agnóstica de pagamento, temos a missão de garantir todos os métodos de pagamento com alta performance e uma experiência impecável. Ou seja, fica muito a critério do cliente utilizar a solução da maneira que melhor lhe convier. Mas é curioso porque não percebemos uma desaceleração tão grande no processamento de pagamentos. Muito pelo contrário. Na grande maioria dos casos, esse grupo de clientes, que mantém o mesmo volume de débito e crédito, traz um acréscimo significativo no TPV (Volume Total de Pagamentos) ou no volume de transações PIX.
Inovativos – Mudando de assunto, gostaria de falar um pouco sobre as carteiras digitais. Elas são populares na Europa, Ásia e Estados Unidos, mas aqui ainda têm números modestos de adesão. Por que elas ainda não emplacaram no Brasil?
Ricardo Marson – Penso que existem alguns fatores, mas talvez o principal seja criar as duas pontas: uma ponta de aceitação e outra de usuários. Quando um lojista decide sobre um método de pagamento, ele pensa no custo e no tamanho da base de aceitação. Ainda não vejo, no Brasil, esses ecossistemas com a mesma força que têm lá fora, e isso por várias razões. Uma delas é que o lojista pode não querer ter tantos métodos de pagamento disponíveis, pois isso pode mais atrapalhar do que simplificar. Você pode ter uma boa experiência enquanto pagador, com simplicidade no uso, mas qual seria o incentivo para usar uma carteira A ou B?
No passado, por exemplo, houve uma onda de cashback, mas isso diminuiu. Se você, comprador, não tem um incentivo tão forte para usar as carteiras digitais, provavelmente optará pelo meio de pagamento mais conveniente. Portanto, há a questão do custo de aquisição de clientes, que é muito alto para as carteiras, e, ao mesmo tempo, há uma simplificação da jornada com o PIX, o que reduz a necessidade de usar carteiras digitais. Em vez disso, as pessoas preferem fazer uma transação por meio de QR Code, que até então era exclusivo das carteiras. Penso que devemos observar os movimentos de mercado, e nós, enquanto empresa de pagamentos, estamos preparados para aceitar essas inovações e acompanhar essas novidades. Tudo o que entendermos ser relevante, oferecer uma boa experiência e agregar valor para nossos lojistas, sem dúvida, faremos parte, assim como fizemos no passado e com as próprias carteiras.
Ricardo Marson – Então, pelo que entendi, há mais chances do PIX agregar serviços do que ocorrer uma massificação das carteiras?
Entrevistado: Houve um tempo em que disseram que o Banco Central iria produzir um superapp, e isso gerou até polêmica. Mas, segundo entrevistas do próprio Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central) e o posicionamento oficial, não haverá esse superapp. O Banco Central disponibilizará os “rails” e as APIs para que todas as empresas que participam do conglomerado financeiro possam criar seus próprios superapps. A partir do momento que o Banco Central adota essa missão, acredito que, sim, as carteiras terão crescimento. Já é possível notar diversos conglomerados se apropriando desses “rails”. Mas, quando digo que o PIX será o grande protagonista, é porque, a partir do momento em que esses “rails” são padronizados, para qualquer entrante, o custo de participação no ecossistema do PIX é menor, algo bem diferente do ecossistema das carteiras.
Agora, se as carteiras vão fazer um esforço para tentar fortalecer seu ecossistema, acho que dependerá muito do perfil de público de cada uma delas. Acredito que há espaço. No entanto, minha tese é que, muito mais do que padronizar esses “rails” e ter uma estrutura em que qualquer player financeiro possa entrar, a empresa precisa estar alinhada com uma proposta de valor que apresente uma solução inovadora, sem ter o mesmo custo de aquisição que havia no passado. Em outras palavras, uso o PIX porque tenho incentivo ou porque a rede de aceitação é maior. A partir do momento em que isso se estabelece como base para todos, o PIX tende a ser, sem dúvida, um dos principais alavancadores do sistema financeiro.
Inovativos – Falando agora de experiência, o que você projeta de tendência em CX para meios de pagamento? Afinal, o abandono de carrinho está se tornando cada vez mais fundamental e importante para os negócios.
Ricardo Marson – Quando olhamos a nossa responsabilidade, que é garantir que o nosso cliente, o lojista, preste o seu serviço, eu preciso fazer isso de uma maneira segura, rápida, eficaz e de uma forma que agregue valor para ele. Quanto ao checkout, sempre precisamos olhar para as duas óticas, tanto no digital quanto no físico. No digital, fala-se muito sobre PIX, “Buy Now, Pay Later” e pagamento com cripto. Ocorre que, quando você vai para o checkout, você tem uma série de métodos de pagamento e, cada vez mais, os lojistas estão sendo seletivos com o que colocar ali. Porém, mais do que escolher o meio de pagamento, devemos pensar qual é a experiência que o comprador passará.
Hoje, se eu tenho uma solução mais segura, ou seja, o lojista não vai ter qualquer tipo de contestação (no nosso mercado a gente chama de disputa ou chargeback), pode ser uma solução com uma fricção terrível. E isso faz com que eu tenha um abandono de carrinho muito maior que seria o aceitável. Assim, o mindset que a indústria vem tendo é que não adianta eu colocar uma solução que seja segura, rápida e talvez a mais barata se, no fim do dia, a conversão dela for baixa. O próprio PIX é um bom exemplo. Na experiência de “Copia e Cola”, você vai para o aplicativo de uma instituição financeira, faz o pagamento e, por fim, retorna para o checkout para aguardar o pagamento. Talvez você não queira essa experiência.
Nós já percebemos algumas rejeições, inclusive de grandes clientes, no momento da adesão ao PIX por conta da experiência. A experiência, sem dúvida nenhuma, pode direcionar a escolha do lojista. Então, a experiência que muito se falou aqui em conversão de carrinho, sem dúvida nenhuma, olhando daqui para frente, é uma experiência que vai levar em consideração a praticidade, custo e segurança. E daí eu acho que essa trinca de funcionalidades é o que vai definir os principais métodos de pagamento ou métodos de pagamento que mais vão ter sucesso daqui para frente.
Inovativos – Eu gostaria de falar sobre o apagão a partir de um ataque cibernético contra uma empresa de segurança que presta serviço para a Microsoft. Um dos serviços afetados foi justamente o bancário, sendo que as pessoas não conseguiam acessar os aplicativos de alguns bancos. Há quem diga que a lição importante é que devemos pensar em um futuro onde dinheiro físico e digital coexistem. Será que é isso mesmo?
Ricardo Marson – Antes de mais nada, as indústrias de pagamento e financeira como um todo talvez sejam os principais alvos de ataques cibernéticos no mundo. E isso é algo que permeia a história de todas as empresas financeiras. Quando acontece um negócio como esse, uma série de dúvidas são levantadas. Aqui na Getnet, nós temos as principais certificações de mercado. Estamos falando de uma empresa que, simplesmente por existir, já precisa cumprir um guide de segurança justamente para garantir a robustez que impomos no nosso dia a dia. Estou falando do terceiro principal player do mercado e da segunda principal adquirência da América Latina. A nossa robustez, o nosso tamanho por si só, exige que tenhamos os principais e mais altos padrões de segurança. Quando falamos da maneira como impomos isso ao mercado, garantimos que sempre estaremos “up to date” com tudo que há de melhor.
Mas o ponto traz uma reflexão importante: como é que a gente, enquanto indústria financeira e também de tecnologia, por meio da educação, temos uma comunicação comum que coloca essa tranquilidade para que o sistema tenha, e continue tendo, uma percepção de segurança muito forte. Longe da gente crer que o mundo digital corre qualquer perigo. Mas, quando falamos de criptografia de ponta a ponta, o acontecimento que ocorreu, óbvio, afeta aqui e muitas vezes faz um lockdown para evitar que todas aquelas informações sejam expostas e que as informações não tenham qualquer tipo de quebra. Então, é muito comum a gente continuar compartilhando as práticas, demonstrando a capacidade de segurança e que, mesmo com esses incidentes, e mesmo que eu tenha um serviço fora do ar, existe um arcabouço que protege aquela informação. Não acho que a gente, enquanto indústria, até como empresa de tecnologia, temos esse pensamento (de regredir para o analógico). Eu uso a tecnologia como meio para continuar crescendo.
Inovativos – É como dizem: não há solução 100% eficaz no ambiente digital – e nunca vai existir, ainda mais no sistema financeiro.
Ricardo Marson – Temos um programa aqui que chamamos de cyber champions. Dentro da empresa, criamos profissionais com uma cultura de segurança da informação. Isso é muito forte. Mas, sem dúvida, na mesma velocidade que a gente evolui, infelizmente, os hackers e as pessoas de má índole evoluem e a gente precisa estar nessa esteira contínua. Nunca dá para baixar a guarda.
Inovativos – Sobre a regulação, o que acha dos novos modelos de negócios financeiros, as fintechs? Ao mesmo tempo que o Banco Central é apontado como inovador, há críticas quanto à regulação com as fintechs.
Ricardo Marson – Abrindo um parêntese aqui, quero dizer que o Banco Central brasileiro, não à toa, cansa de ganhar prêmios. Muito disso se deve pela capacidade com que ele moveu o mercado para a inovação, para uma maior competição e, a partir disso, você tem uma inclusão maior. Você tem ainda uma redução de custos que beneficiou o sistema como um todo. Então, a missão do Banco Central, a meu ver, muito bem executada por sinal, é garantir que exista um equilíbrio – e um jogo em que todos os jogadores conseguem jogar no mesmo nível. Ele “seta” um panorama e um ecossistema que garantem que o custo de entrada e a maneira como esses players entram seja sempre igual. Muitas vezes, a linha entre papéis e responsabilidades das entidades A e B nasce com interpretações.
Eu vou dar um exemplo: o Banco Central soltou, por meio do Open Finance, a nova intenção de portabilidade de crédito, que começaria com a portabilidade de crédito para pessoa física (PF), mas PF não consignado. Depois, seria PF consignado e aí fica uma discussão sobre como será a experiência? A instituição credora vai ou não poder fazer uma contraproposta à proposta vinda de uma entidade que solicita a portabilidade? Então, a partir do momento que se cria uma nova funcionalidade ou que o Banco Central define um novo modelo, uma funcionalidade no mercado, é natural que surjam dúvidas.
O BaaS, por meio das APIs e processos que o Banco Central está estipulando, estabelece alguns padrões. Certamente, a discussão de papéis e responsabilidades acontece e vai continuar acontecendo. É a mesma coisa com o PIX. De quem é a responsabilidade em caso de fraude no PIX: da entidade responsável pelo pagamento ou pelo recebimento? O Banco Central é muito ativo, mas é natural que, com essas inovações, surjam dúvidas que, muitas vezes, podem gerar essas interpretações e abrem espaço para o Banco Central vir e, porventura, ajustar.