Esqueça a ideia de que o trabalho no campo brasileiro é pautado apenas em práticas tradicionais e sem inovação. Segundo pesquisa feita pela consultoria McKinsey, os agricultores por aqui são pioneiros na adoção de ferramentas digitais: em torno de 50% já adotam ou estão dispostos a implementar soluções que proporcionem maior precisão na tomada de decisões e na implementação de estratégias de manejo. O estudo mostra que os produtores brasileiros lideram a implementação de práticas sustentáveis impulsionadas pela digitalização, como a aplicação de fertilizantes em taxa variável, que já é realizada por 51% deles ou planejada para as próximas safras. Além disso, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a biotecnologia está presente em 92% das lavouras de soja, em 90% das plantações de milho e em 47% das áreas cultivadas de algodão. E a perspectiva é de mais avanço. Uma análise realizada pelo Croplife Brasil em parceria com a EasyHub e Fruto Agrointeligência, aponta que a próxima geração de profissionais da área tem muito interesse por abordagens técnicas e disposição para incorporar tecnologia em suas operações.
“Sempre tive a visão de que o agro era um setor conservador para tecnologias, que desmata, que polui, mas quando comecei a trabalhar com inovação diretamente com os produtores, em 2016, percebi que há muita tecnologia dentro e fora da porteira”, diz Tatiana Fiuza, head de inovação da Cocriagro, hub de inovação para o agronegócio. Para analisar o cenário, Tatiana propõe uma reflexão. Segundo a especialista, não podemos focar apenas nas tecnologias digitais. “Existe muita biotecnologia por aqui. Hoje, o país é referência na produção de novas sementes que podem resistir à seca e a doenças, desmistificando tabus em torno de culturas transgênicas, por exemplo”, afirma.
Por meio da inovação tecnológica e do aprimoramento genético das plantas, o país tem aumentado a produtividade em regiões previamente consideradas inimagináveis, enquanto assegura uma redução significativa do impacto ambiental.
A AgroGalaxy, plataforma de varejo de insumos agrícolas e serviços voltados para o agronegócio brasileiro conta, por exemplo, com um aplicativo que auxilia tanto a equipe de vendas quanto os produtores, facilitando o acompanhamento das lavouras e a gestão de pedidos de insumos agrícolas. A empresa também investe em soluções de agricultura de precisão, como a análise de fertilidade do solo para ajudar os agricultores a tomarem decisões mais precisas, o que comprova a versatilidade e o potencial tecnológico em todo o ecossistema agropecuário. “A agronomia digital está se expandindo para além das fronteiras do campo, abrangendo toda a cadeia agrícola, desde a pesquisa e desenvolvimento de sementes até o monitoramento das culturas”, explica Alex Kuribara, diretor-executivo da empresa.
O que pode travar
Fica claro que no cenário dinâmico da agricultura e pecuária, a adoção de tecnologias se tornou peça fundamental para aprimorar a eficiência e a produtividade. Entretanto, a integração dessas inovações não é homogênea por conta das diversas realidades dos produtores e das complexidades inerentes ao processo. “Uma das principais barreiras enfrentadas pelos produtores é a dificuldade de acesso a informações sobre as inovações disponíveis”, diz Tatiana. De acordo com ela, diferentemente de setores mais voltados para o consumidor final, os profissionais do agronegócio nem sempre buscam informações em redes sociais ou na internet. “Muitas vezes, o primeiro contato com novas tecnologias ocorre por meio de eventos presenciais, como feiras, que podem ser caros e inacessíveis para todos”, explica Tatiana.
Alex, da AgroGalaxy, enfrenta esse problema. “Entre os desafios está fazer com que as soluções que oferecemos sejam conhecidas”, diz. Ele ressalta que a pandemia de covid-19 acelerou a adoção de soluções digitais no campo, especialmente entre as gerações mais jovens de agricultores. No entanto, a transição para soluções digitais ainda enfrenta obstáculos, principalmente entre os agricultores mais velhos. Dois pontos são importantes nesse sentido. O primeiro é demonstrar os benefícios práticos no dia a dia dos agricultores. O segundo é levar em consideração a realidade e as particularidades de cada produtor, como o tamanho da propriedade, a cultura de produção e a localização geográfica. “As necessidades de um grande produtor de grãos podem ser muito diferentes das de um pequeno agricultor de frutas familiar, por exemplo”, analisa Tatiana.
A falta de conectividade é outro obstáculo, já que muitas propriedades estão localizadas em áreas remotas. “Em uma simples caminhada de 200 metros em qualquer estrada rural, a conexão deixa de existir. Isso não apenas prejudica as comunicações, mas também a implementação e a eficácia das tecnologias nas zonas rurais”, ressalta Tatiana.
Para se ter uma ideia da dificuldade, segundo Victor Mondo, chefe de transferência de tecnologia da unidade da Embrapa de Campinas (SP), cerca de 75% das propriedades ainda não adotaram plenamente a agricultura digital e a falta de conexão pode ser um dos entraves para que esse número aumente.
O caminho para o Agro 5.0
A falta de infraestrutura para a adesão do 5G, também entra na lista para que a inovação deslanche na área e chegue a versão mais moderna. Em contraste com o agro 4.0, caracterizado pela automação de máquinas agrícolas, o 5.0 se baseia na transformação digital com o uso de conectividade, Internet das Coisas (IoT), tomadas de decisões orientadas por dados e de tecnologias preditivas, adaptando soluções digitais às necessidades específicas de cada produtor rural, tanto dentro como fora da propriedade. Nesse cenário, as startups do agronegócio desempenham um papel importante ao oferecer inovações que abrangem da biotecnologia à gestão empresarial, além de contribuírem para a redução de custos em insumos, seguros e financiamentos.
Porém, de maneira geral, o agronegócio brasileiro tem se revelado um celeiro de tecnologia e inovação, impulsionado por uma nova geração de agricultores ávidos por soluções técnicas e pela incorporação de tecnologia em suas operações. Fora isso, a pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia, sementes geneticamente modificadas e inteligência artificial têm revolucionado a forma como a agricultura é conduzida, tornando-a mais sustentável e eficiente. Embora desafios como a conectividade em áreas remotas persistam, o futuro do setor no Brasil é, sem dúvida, digital, com inovações que prometem aumentar a produtividade, reduzir o impacto ambiental e garantir a segurança alimentar em um mundo em constante crescimento.
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