Os planos – estratégicos, táticos e operacionais – para qualquer tipo de organização têm passado por momentos de questionamentos. Não raro, sou consultado por alguém que me provoca, desejando saber minha opinião sobre planos: são infalíveis? Engessam as perspectivas adiante? Tornam a comunicação mais difícil? Permitem realmente o gerenciamento nestes momentos de tamanha mudança?
Poucos foram os momentos que ofereceram tamanhos desafios a planos traçados como orientações gerais de posicionamento organizacional. Tradicionalmente vistos como instrumentos confiáveis de orientação de rumos de uma empresa rumo a um futuro bem desenhado, estável, concebido por especialistas sob fundamentos de uma competição previsível, os planos e o trabalho de planejamento atualmente são colocados constantemente em validação, frequentemente tornando-se desacreditados por empreendedores que, diante de bruscas modificações do cenário, pensam em desistir de sua complexidade para tentar o caminho da improvisação, de soluções fáceis e vulneráveis.
Neste novo artigo sobre a Economia Criativa, buscaremos alguns insights na Arte para avaliar este cenário competitivo de nossos tempos. Seria a Arte algo planejado? Há planejamento em algo concebido de forma tão individual e introspectiva? Trarei alguns sinais para sua reflexão sobre este relevante tema.
Penso inicialmente em grandes obras, como as de Rafaello Sanzio da Urbino, ou simplesmente Rafael, pintor autor de algumas das obras que, entre vários outros locais, decoram salas das instalações do Vaticano. Nestas, especialmente, nos aposentos e na biblioteca papais, o brilhante pintor atuou sob comissionamento dos Papas Júlio II e Leo X na criação e execução dos trabalhos memoráveis (recomenda-se a simples consulta à Wikipedia, pelos verbetes “Raphael” e “Raphael Vatican Rooms” para visualização e detalhes das obras). Nestes autênticos projetos, Rafael coordenava equipes de até cinquenta artistas e técnicos, envolvendo atributos como especialidades de produção de coloração de tintas específicas, esboços e pinturas efetivas de partes selecionadas dos quadros, acabamento das obras, entre outras tarefas.
Como já discutimos anteriormente, uma impressionante atuação de planejamento de projeto por Rafael e sua excelente equipe, dispondo obras de arte inigualáveis que até hoje abrilhantam as instalações religiosas do Vaticano, testemunhadas por visitantes de todo o mundo. Deve-se ressaltar que, nas “salas e aposentos” das mesmas instalações, por exemplo, coexistiam trabalhos de, entre outros, Michelangelo Buonarotti, também contando com uma expressiva equipe de contribuidores. Planos que se integravam, na execução de grandes projetos.
Numa primeira percepção, cabe atentar que o que não ocorre nestes casos é o simples improviso. Na realidade, diante da inegável e brilhante competência dos artistas, de sua aptidão para a pesquisa, o diálogo e, claro, da influência dos contratantes e comissionados – afinal, clientes – o trabalho criativo era direcionado via esboços, testes, protótipos, constante escrutínio de agentes e dos singulares clientes. O atestado de alta qualificação de todo este planejamento é a permanência atemporal destas obras, até este momento sempre veneradas por admiradores, fiéis e artistas de todo o mundo, influenciadores de correntes artísticas por séculos.
Noutra ocorrência, verificamos outro gênio (seria um dos maiores?), Ludwig Van Beethoven. Inigualável e marcante compositor, também um perfeccionista impressionante e um homem que simplesmente criou músicas, como as suas sinfonias, que embalam o cotidiano humano por mais de duzentos anos, mesmo com avançados níveis de surdez.
Obras de um planejamento retilíneo? Difícil afirmar, de início. Diante de suas habilidades, inteligência e conhecimento, com o potencial humor agressivo e intempestividade, são verificadas em suas partituras, algumas recolhidas em pilhas de documentos em sua casa quando de sua morte em 1827, em Viena, rabiscos, rasuras, borrões, num ritmo alucinante como – segundo os testemunhos – suas interpretações ao piano.
E, neste caso, o planejamento? Há rigor neste caos, sem dúvida! Beethoven contribuiu para a alteração nos formatos sinfônicos da época, ao, rigorosamente, propor desenhos das obras. Também suas formas de distribuir os naipes de músicos no palco e a própria interpretação do maestro para as definições de obras, sofreram profundas contribuições de suas atuações. Dado que tinha vários níveis de dificuldade de comunicação, inclusive pelo avanço da doença, podemos afirmar que o mestre equilibrava sua massiva intensidade artística com a disciplina e a ordem na execução, resultando numa forma de planejamento hoje invejada por organizações que buscam a ambidestria.
Neste tocante, a intensividade das inovações – encontradas em Beethoven na mudança da “geografia” orquestral e nos arranjos de suas impressionantes obras – convive com a intempestiva genialidade, a necessidade do atendimento às formas e o reforço a uma escola alemã de composição, que se tornou marca evidente no século XIX, influenciando as correntes do clássico e do romantismo decisivamente. Planejamentos e planos passando pelo crivo da genialidade, a ambidestria coexistindo na criação explosiva e na execução rigorosa de peças de arte.
Por último, comentar sobre os testes, os esboços, arranjos parciais e protótipos que artistas como Vincent Van Gogh, Salvador Dali, Mark Rothko, Francisco de Goya, entre muitos outros, nos deixaram. Testes de desenhos de partes de corpo, de detalhes geográficos, perspectivas, combinações de cores, simulações… numa interminável sequência, mostram a busca da perfeição nos elementos, em ensaios que seriam, posteriormente, incorporados em experiências e composições, aos trabalhos definitivos. Numa parte de um quadro, de um corpo de um personagem, de um fundo de cena, encontramos uma parte testada, estudada e incluída, após um disciplinado trabalho de planejamento, que tomou muito tempo e resultou numa perspectiva de escala, potencialmente servindo mesmo para que o artista ensinasse e motivasse suas equipes de trabalho.
A arte, nas suas expressões, mostra a força do planejamento. E que tal pensar nos seus planos e, principalmente, em sua habilidade de planejar, integrando suas equipes, como uma obra ou uma expressão de arte? Segundo atribuído ao general Sun Tzu, no livro A Arte da Guerra:
“Todos podem ver as táticas de minhas conquistas, mas ninguém consegue discernir a estratégia que gerou as vitórias” (Sun Tzu, A Arte da Guerra).
O plano estratégico, fruto de um contínuo trabalho de planejamento, surge como uma concepção que depende de testes, ensaios, compreensão, negociação e engajamento, tornando-se a orientação para a “arte” de “guerrear”. Ainda recorrendo às mesmas bases de pensamento, vemos em Clausewitz:
“A força, para enfrentar a força, usa as criações da Arte e Ciência” (Karl Von Clausewitz, Da Guerra).
Onde o estrategista prussiano comenta sobre ser a guerra, na atualidade, um contributo da ciência, mas dentro do fundamento universal de ser executada como Arte. É um exemplo extremo, portanto muito forte, da concepção de planejamento como arte e da arte como planejamento.
Ao observar suas contribuições num planejamento, bom contemplar como sendo arte. E, como arte, nunca deixar de revisar, testar, estudar, ensaiar e principalmente aprender. A Arte nos ensina a mudar e evoluir.
Ao leitor:
Nossa proposta, nesta coluna, não é ensinar ou promover a crítica de Arte, em geral. É de provocar a reflexão sobre temas da gestão, como inovação, estratégia, marketing, transformação digital, entre outros, motivado por reflexões a partir da Arte.
Artigo escrito por George Leal Jamil. Ele é professor e consultor em temas de educação executiva. Engenheiro, MsC em Computação, Dr. em Ciência da Informação, pós-doutorados em Inteligência de Mercado e Empreendedorismo. Autor e editor de livros no Brasil e exterior. Colunista da plataforma Inovativos.