Nos últimos anos, em função da digitalização dos modelos de negócios, as empresas passaram a depender cada vez mais da tecnologia para oferecer a melhor experiência de compra possível ao usuário final. Consequentemente, diversos players se integraram a esse ecossistema a fim de tornar essa jornada do consumidor mais ágil, segura e transparente. No entanto, alguns entraves vêm dificultando a vida dos varejistas, principalmente no que diz respeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS.
“Embora o imposto tenha uma regulamentação federal (LC 87/96), cada Unidade da Federação pode legislar de maneira diferente em relação a alguns temas, o que tende a gerar alguns gargalos operacionais, principalmente quando estamos diante de modelos que envolvem a comercialização interestadual de mercadorias”, explica Raphael Nóbrega, Senior Manager da Gaia Silva Gaede Advogados (GSGA). Em entrevista à INOVATIVOS, ele e seu sócio, Jorge Luiz de Brito Junior, falaram sobre os atuais desafios dos varejistas, os Projetos de Lei que em andamento e o que está por vir com o Ajuste SINIEF-14/22 publicado pelo Conselho Nacional de Política Monetária (Confaz).
INOVATIVOS – Quais os principais desafios enfrentados pelos varejistas atualmente no quesito fiscal/tributário?
Raphael Nóbrega: Sempre que conversamos com os gestores de grandes varejistas, percebemos uma preocupação muito clara: o mercado persegue de maneira incansável formas de oferecer ao usuário final a melhor experiência de compra possível.
Naturalmente, o uso de ferramentas digitais contribuiu muito para que o player ofereça cada vez mais comodidade ao seu cliente durante toda a jornada de aquisição de um produto.
Aquele mercado que tradicionalmente dependia de um estabelecimento físico, estoque e presença de pessoas não existe mais. O uso de tecnologia viabilizou a existência de diversos players que, de forma integrada, operam para que todo o ecossistema funcione em prol da venda do produto.
Cada vez mais percebemos o surgimento de prestadores de serviço que operam na cadeia de circulação da mercadoria para agilizar processo de entrega, realizar a guarda de produtos de terceiros (lockers, por exemplo), conectar o comprador com o vendedor (marketplace) e etc.
Além disso, sob a ótica do varejista em si, a estratégia de Omnichannel é, sem dúvidas, um dos principais vetores que permitem essa conexão entre os diferentes canais de venda, aproximando o mundo online do offline de maneira segura e sem atrito.
Dessa forma, um dos nossos principais desafios é justamente acomodar todas essas alterações à legislação do ICMS. Embora o imposto tenha uma regulamentação federal (LC 87/96), cada Unidade da Federação pode legislar de maneira diferente em relação a alguns temas, o que tende a gerar alguns gargalos operacionais, principalmente quando estamos diante de modelos que envolvem a comercialização interestadual de mercadorias. Exemplos de entraves:
i) Logística Reversa (operação interna ou interestadual): Viabilizar que o cliente final realize a devolução ou troca de mercadoria em estabelecimentos diferentes de onde realizou a compra. Tema que possui desdobramento quando pensamos em franquias.
ii) Estoque Avançado (Dark Store): Hoje, temos dificuldade de implementar pontos de retirada de mercadorias originalmente vendidas pelo e-commerce, sobretudo em operações interestaduais. As Fiscalizações demandam que a mercadoria seja acobertada por NF de transferência ou venda do produto para o estabelecimento que realizará, tão somente, a guarda do produto.
INOVATIVOS – O surgimento do PLP 148/19 surgiu com qual finalidade?
Raphael Nóbrega: O PLP tem por objetivo tentar atualizar a legislação. O que se busca, essencialmente, é regulamentar exatamente os modelos operacionais que são implementados pelo mercado sob uma estratégia de Omnichannel e, de alguma maneira, equalizar o tema em âmbito Federal, reduzindo divergências de interpretação de cada Estado.
INOVATIVOS – Qual o status do PLP 148/19 atualmente? Ele está avançando no Congresso? Caso não, por quê?
Raphael Nóbrega: O projeto foi apresentado em junho de 2019. Em dezembro daquele ano, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados reconheceu que a legislação atual necessita de ajuste e aprovou, no mérito, o prosseguimento do tema – fato publicado no DOU apenas em fevereiro de 2020.
Desde então, aguarda-se evolução sem maiores movimentações.
INOVATIVOS – Por que o Confaz publicou o Ajuste SINIEF-14/22 e quais são os seus principais propósitos?
Raphael Nóbrega: Penso que o CONFAZ, ao editar o Ajuste SINIEF, buscou atenuar o problema decorrente da morosidade do processo legislativo. Basicamente, o normativo buscou estabelecer, em âmbito nacional, uma diretriz mais objetiva em relação a entrega de mercadoria e devolução em pontos de coleta específicos.
Vale dizer, os Estados passaram a reconhecer que o mercado necessita de alternativas para viabilizar que as operações de entrega e o eventual retorno do bem devolvido ocorram de forma mais célere.
Um ponto interessante, e me parece ser um certo avanço, é o fato de se permitir que o ponto de coleta seja explorado por contribuinte do ICMS ou não. Ou seja, passou-se a enxergar que diversos novos players se inseriram no ecossistema do varejo.
INOVATIVOS – Como isso impactará os clientes finais?
Raphael Nóbrega: A medida é importante, pois tem o potencial de viabilizar que inúmeros pontos de coleta sejam instalados na Cidade, o que auxilia a logística de entrega e o acesso às mercadorias de maneira rápida.
Jorge Luiz: A logística é um gargalo importante ao desenvolvimento do comércio eletrônico no Brasil. Medidas que atualizem a legislação e permitam a simplificação de obrigações são fundamentais para fomentar o desenvolvimento da nova economia.
INOVATIVOS – O que deve acontecer agora com o Ajuste a curto/médio prazo? Quais os próximos passos?
Jorge Luiz: o Ajuste SINIEF passa a produzir efeitos a partir do primeiro dia do segundo mês subsequente à sua publicação, ou seja, 1º de setembro de 2022 para os estados signatários. Lembrando que os Estados do Acre, Alagoas, Bahia, Ceará e MT não aderiram ao novo ajuste SINIEF 14/2022, ficando o ajuste valendo para todos os demais Estados.
Como os ajustes SINIEF derivam de um Convênio antigo celebrado entre os Estados para unificação de documentos fiscais, simplificação e harmonização de obrigações legais, suas disposições são autoaplicáveis para os Estados que são signatários do convênio, o que inclui, virtualmente, todos os Estados. São Paulo, por exemplo, possui soluções de consulta que consideram os ajustes SINIEF como auto-aplicáveis.
Com a vigência do novo Ajuste SINIEF, é importante que as empresas que realizem operações multicanal façam uma auditoria interna dos requisitos já previstos de forma exaustiva pelo Novo Ajuste SINIEF. Por exemplo: é importante que existam contratos de locação de espaço firmados com os estabelecimentos credenciados como pontos de retirada/devolução, bem como segregação física das mercadorias enviadas para estes estabelecimentos, embalagens parametrizadas e devidamente identificadas, entre outros cuidados.
Isso sem falar das Notas Fiscais eletrônicas, que devem conter informação dos pontos de retirada de mercadoria e menção expressa ao ajuste SINIEF, dentre outros requisitos.
Apesar da auto-aplicabilidade do Ajuste SINIEF, alguns pontos ainda representam dúvidas e os Estados poderão editar regras complementares. Por exemplo: O Ajuste prevê que os vendedores deverão reportar ao Fisco todos os seus estabelecimentos credenciados para devolução/retirada, havendo previsão de que Marketplaces podem assumir tal obrigação de prestar tais informações ao fisco. Porém, não se sabe exatamente como tal informação deverá ser prestada ao Fisco.
O Ajuste também prevê que, via de regra, a entrega/devolução de mercadoria deve se dar em estabelecimento credenciado localizado no mesmo Estado do vendedor. Se este não for o caso, o vendedor deve abrir Inscrição Estadual no Estado de destino da mercadoria, onde se localiza o consumidor. Porém, há previsão de que os Estados poderão dispensar esta inscrição estadual adicional. Para tanto, é possível que os Estados editem regras complementares para dispensar ou não a inscrição adicional.