Os três pilares mais discutidos da atualidade, que exploram questões ambientais, sociais e de governança,reúnem uma importante estratégia para os negócios. E anunciam o despertar para novos rumos nas relações entre as empresas e a sociedade
Durante anos, o mundo testemunhou diversos fatores externos, inclusive a partir do consumo, causando fortes e negativos impactos ambientais, sociais e econômicos. A boa notícia é que o ser humano começou a virar o jogo – e, convenhamos, já estava na hora.
Aos poucos, cresce um movimento de empresas de todos os tamanhos e autoridades públicas preocupadas com as boas práticas de gestão, muitas delas inseridas em três letras: ESG (Environmental, Social and Governance ou, em uma tradução literal, Meio ambiente, Social e Governança).
E como tudo isso vai mudar o mundo? Alguns pontos foram discutidos no painel “Governança ambiental, social e corporativa”, durante o Fórum Logtechs, mediado por Marcos Carvalho, diretor do Movimento Inovação Digital (MID) e com a presença de painelistas de renome do mercado.
Triple Bottom Line e ONU
Antes dessa onda ESG, muita gente deve se lembrar como era o jeito de desembainhar o capitalismo. Empresas ainda mantinham foco exclusivamente em crescimento e lucratividade. Mas muita coisa mudou, especialmente no fim antes da virada do milênio.
Em 1994, Carvalho cita o surgimento do conceito Triple Bottom Line, ideia que prega a gestão empresarial com foco no impacto causado pelas empresas ao Planeta.
O ESG reúne justamente as mesmas características do Triple Bottom Line, induzindo a mudanças no padrão de consumo e suscitando questionamentos quanto aos riscos dos negócios. “E quem não se adequar a esses critérios? Será viável às empresas garantir rentabilidade com esses protocolos?”, afirma Carvalho.
Na prática, o ESG surge 10 anos depois do Triple Bottom Line, mais precisamente em janeiro de 2004. O ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, convidou mais de 50 CEOs de grandes instituições financeiras a participar de uma iniciativa conjunta, para encontrar maneiras de integrar o ESG aos mercados de capitais. A mensagem foi enviada pelo grupo de trabalho Principles for Responsible Investment (PRI), das Nações Unidas.
ESG: por que ele é importante para o consumidor?
Hoje, passados tantos anos, questões como meio ambiente, impacto social e a governança corporativa passaram a ser consideradas essenciais nas análises de riscos e nas decisões de investimentos. Mais do que isso, atuar seguindo os preceitos da ESG amplia a competitividade do setor empresarial, seja no mercado interno ou externo – e tudo acompanhado de perto pelos diversos stakeholders.
Para Juliana Minorello, líder do Comitê ESG e Sustentabilidade do MID e diretora de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Tembici, empresa de microbilidade, explica que o tema ganhou maior relevância nos últimos anos, principalmente porque o consumidor passou a ficar atento às boas práticas sustentáveis das empresas.
“Temos observado a premência da discussão em torno das mudanças climáticas na atualidade e como tudo isso tem afetado os padrões de consumo. Eu acho que o consumidor está cada vez mais preocupado com as pegadas que irá deixar – e cobra isso das empresas. Ao consumir determinado produto, ele observa toda a cadeia envolvida e como a empresa em questão lida com isso, e que cuidados tomar em relação à sustentabilidade. As empresas que não seguem tais critérios acabam perdendo oportunidades de investimentos e de negócios. Portanto, estão atentas para não perderem também esse consumidor. Quanto aos riscos, sabemos que os maiores fundos de investimentos procuram empresas conectadas ao ESG, pois apresentam riscos menores”, explica.
Arthur Rufino, CEO da OCTA, empresa focada na economia circular da cadeia automotiva, afirma que o tema é pouco explorado nas pequenas, médias e grandes empresas. Até por esse motivo, há um vasto universo a ser investigado, que confere muitas oportunidades de inovação e novos modelos de negócios.
“A OCTA é fruto de 30 anos de experiência no mundo tradicional, onde passamos a assumir propósitos além da lucratividade. Isso aumenta nosso potencial comparado ao que éramos originalmente. Muitos ainda fazem do ‘jeito antigo’ e não se preocupam com sustentabilidade, ética ou as sérias questões sociais que vemos de forma recorrente. É preciso que haja uma mudança de mindset das lideranças, e da organização como um todo”.
Dentro dessa nova perspectiva de fazer negócios, a indústria automotiva é um bom exemplo de setor impactado pelo ESG. Nesse sentido, saem os carros à combustão e entram em cena os veículos elétricos.
“O veículo elétrico é o centro dessa nova economia mais compartilhada. Nos últimos dois anos de pandemia, vimos o surgimento de pacotes globais de reconstrução das economias na Europa, Estados Unidos, Reino Unido, China, todos injetando recursos para acelerar a transição à economia de baixo carbono. E, se falarmos sobre logística, por exemplo, vemos que, aqui no Brasil, a logística verde está no centro das atenções de todas as grandes empresas do comércio eletrônico. Empresas de distribuição de bebidas e de alimentos já estão fazendo alguma coisa. Quem não fizer ficará para trás”, complementa Adalberto Maluf, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
ESG, investir com propósito
Juliana Minorello conta que empresas engajadas na causa do ESG precisam seguir as diretrizes definidas pela ONU de maneira sistemática. “Quando você está na sua rotina diária e não são estabelecidas metas, tais critérios acabam ficando em segundo plano, o que não é o ideal. ESG precisa entrar como prioridade, estruturando-se todas as etapas que cada área da empresa precisa cumprir”, aponta.
O CEO da OCTA destaca a importância do comprometimento full time das empresas. “Não faz sentido criar um veículo elétrico, por exemplo, e deixar de se comprometer com tudo o que acontece com ele ao deixar a concessionária. Deve-se cuidar desse ativo em diversas fases. Em algum momento será preciso lidar com o usuário e com os efeitos causados por consequência do uso. Como não pensar em uma melhor qualidade de vida desse consumidor, se ele próprio é peça fundamental para a existência deste produto? “, indaga Arthur Rufino.
Marcos Carvalho lembra que, até aqui, vivíamos em uma era transacional, ou seja, as empresas se relacionam com seus clientes até o momento em que adquirem os seus produtos. Dali por diante a relação praticamente cessou. “Hoje estamos na era da jornada de consumo, onde vigora um modelo de serviços e recorrências. Isso se expande à questão social também, pois agora todos se envolvem como cidadãos, consumidores e empreendedores”, conclui.
Segundo o presidente da ABVE toda essa discussão faz sentido, primeiramente, sob o ponto de vista econômico. E comenta: “São os departamentos de compras, de logística, que fazem contas, para acharem a equação certa, compreendendo, inclusive, o ciclo de vida de seus produtos – e se são bons para o Planeta. Todo o raciocínio também deverá refletir diretamente na qualidade de vida do consumidor”, afirma.
E, S ou G: o que é mais desafiador?
Os painelistas também falaram como cada “letra” do ESG é abordado dentro de cada empresa. Além disso, eles destacaram os desafios na implementação dessas ideias na companhia.
“Acho que o principal é encontrar o valor da empresa, isto é, seu verdadeiro foco, e tudo o que precisar mudar, elaborando sua matriz de materialidade. Nós na Tembici tivemos essa mudança de paradigma interno. Elaboramos comitês e houve mudança de percepções por parte da diretoria, rumo a planos mais sólidos. Só assim todos caminham juntos na mesma direção. Hoje, atuamos nas três frentes, embora nosso DNA seja naturalmente a sustentabilidade”, afirma Juliana Minorello.
“O principal desafio está na estruturação de uma cultura que produza esse perfil de mindset. Em nosso segmento, por exemplo, atuamos na redução de roubos a veículos, o que é transformador. Só que é também crucial que consigamos estender essas boas práticas de governança aos nossos centros de desmontagem”, diz Arthur Rufino, CEO da OCTA.
Para Adalberto Maluf, presidente da ABVE, as questões ambientais e de governança já permeiam o dia a dia das empresas. “O desafio real está no pilar social. Nós, por exemplo, criamos um programa para a contratação de mulheres em situação de vulnerabilidade. Temos consciência que isso é difícil para uma empresa e o tema sugere adaptações internas”, finaliza.
Environmental ou Ambiental
Refere-se às práticas corporativas voltadas ao meio ambiente, como exemplos os debates sobre o aquecimento global, sobre a diminuição da emissão de carbono, sobre a poluição do ar e da água, sobre o desmatamento ou sobre a gestão de resíduos.
Social ou Social
Está relacionado à responsabilidade social e ao impacto da empresa em prol da comunidade, como respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas, à diversidade da equipe, à segurança no trabalho, à proteção de dados e privacidade, ao envolvimento com a comunidade ou ao investimento social privado.
Governance ou Governança
Está ligada às políticas de administração da empresa, tais como a conduta corporativa, a composição do conselho, as práticas anticorrupção, a existência de um canal de denúncias e as auditorias.