O último Índice de Automação do Mercado Brasileiro 2020, produzido em parceria com a GS1 e a GFK, revelou o que muito empresário e consultor de negócio já imaginava: o País deu um importante salto de automação nos diferentes setores da economia do País.
De acordo com o estudo, indústria, comércio e serviços, juntos, atingiram a marca de 0,267, (dentro de uma escala de 0 a 1) apontando um crescimento de 3% em relação à 2019. Desde quando começou a ser mensurado, em 2016, o índice registrou uma expansão de 7%.
Mas o que efetivamente esse crescimento em automação mudou – ou vai mudar – na vida de todos os brasileiros? Não será pouco.
Dois cenários: dentro e fora das novas tecnologias
Segundo Gabriela Amaral, customer experience strategy manager da AMBEV, existem basicamente dois perfis de empresas atuando no Brasil quando o assunto é automação. Existem aquelas que possuem sistemas legados e processos manuais, ainda longes de uma automação. Ao mesmo tempo, existem companhias nativas digitais que já olham para as novas tecnologias e olhando para o futuro.
“Essas novas empresas possuem um back office automatizado e que funciona bem, além de ser ágil. Essas empresas já estão olhando em novas tecnologias, tais como como machine learning, inteligência artificial, robótica e outras soluções tecnológicas que podem ajudar a ganhar eficiência, produtividade e ajudam a reduzir custos”.
Dentro desse crescente mundo de automação, dados representam o insumo mais basilar. E a matéria-prima de maior valor para as empresas são as informações dos consumidores.
Um recente estudo produzido pelo Gartner, chamado “Mudando Abordagens para o Desenvolvimento de Produtos’, ouviu gerentes e similares de países como Estados Unidos, China, Alemanha, França, Índia, Canadá, Reino Unido em 2019. O levantamento mostrou que o uso de analytics em tempo próximo e real para coletar dados de Consumer Experience é uma tendência crescente entre empresas em crescimento, com 43% dos gerentes de produtos dessas operações usando ferramentas de analytics para coletar e analisar dados de percepção e sentimentos dos clientes, em comparação a apenas 22% dos gerentes de produtos em empresas que não crescem.
Além disso, 80% das companhias em crescimento usam dados para aprimorar o negócio.
“A gente (Brasil) está um pouquinho atrás quando olhamos para tudo o que vem por aí. É assustador um pouco isso. Na Universidade de Oxford existe um estudo sobre profissões do futuro, sendo que o especialista número 1 será o cara de dados. Vivemos em uma economia onde temos dados como moeda corrente, mas temos pessoas perdidas nesse caminho. Como mudar isso?”, questiona Carlos Piazza, futurista e darwinista digital.
Nos negócios, segundo Piazza, a principal tendência no uso de dados de maneira consciente é a partir da geração de valor para o consumidor. É o que defende também Eder Pelinçari, COO Monetizze.
“Tem uma pergunta que eu gosto sempre de fazer: o que isso gera de valor para o nosso cliente ou negócio? Se não estivermos olhando para isso, nós simplesmente olhamos para a moda e seguimos a manada. Precisamos entender onde iremos chegar com esses dados e para qual fim. Isso ajuda a gente fazer as perguntas certas e utilizar os dados para tomar decisão e gerar valor para os negócios”.
“Particularmente, eu penso que estamos coletando muito dado e não estamos transformando isso em algo de valor. É uma tarefa difícil, penso até que é o nosso grande desafio”, completa Marcelo Martins, CTO da Getninjas.
E quem fará esse trabalho?
A execução do trabalho de garimpar, filtrar e produzir insights a partir de dados é outro tema que vem chamando a atenção no mundo corporativo. Embora o momento seja o de máquinas executarem essas atividades, muito desse trabalho ainda é feito por humanos. A questão é: até quando isso vai ocorrer? Não seria a hora de aposentarmos o velho e bom Excel?
“A utilização de todo esse ferramental (de dados) é o próximo passo da humanidade. Hoje temos ferramentas que que substituem o Excel, tudo feito de forma automatizada. No entanto, o know how para manipular essas ferramentas e, assim, gerar o valor é o que faz a diferença”, explica Pedro Paiva, digital analytics coordinator do Banco Carrefour.
“A utilização do humano do outro lado não vai deixar de existir. Queremos que ela seja mais participativa nesse caso. Então, o nível de automação que podemos fazer, que é de utilização de ferramentas, tende para o lado do ser humano. Ele deve utilizar da melhor forma e não substituir pessoas por máquinas”, explica Eduardo Morelli, CDO/ diretor-executivo de operações da AlmavivA do Brasil.
ESG e o uso consciente de dados
No entanto, antes de decidir quem fará essa atividade, humanos e máquinas devem considerar questões que antecedem essa decisão. Uma delas é a construção de valores que antecedem uma tomada de decisão, seja automatizada ou não.
O tema da governança de dados, por exemplo, está presente na pauta da ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa, que é uma avaliação da consciência coletiva de uma empresa em relação aos fatores sociais e ambientais). E a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) representa esse ideal, pelo menos sob a ótica legal.
A norma, que foi sancionada em 2018 e que somente este ano pode ser aplicada para fins de punição, emergiu em um momento importante do Brasil. Aos poucos, ela vem implementando uma cultura de dados, que tem começado nas companhias e começa a ganhar o cotidiano das pessoas.
O processo, no entanto, é longo. Empresas até entendem que a norma surgiu para punir, quando, na verdade, ela foi sancionada para validar os tratamentos que acontecem no mundo corporativo.
“Hoje, é uma incógnita a concessão dos dados dos clientes. Alguns dão, outros não. Existem ali dados transacionais, de interações no e-commerce, no uso de aplicativos. E há também como intermediário empresas nas relações B2B. Por que essa empresa daria a uma autorização para o uso desses dados? Todos precisam entender e enxergar o valor que receberão em troca”, disse Gabriela, da Ambev.
Pedro explica que parte dessa desconfiança do consumidor em ceder os dados tem relação com o uso de dados pessoais nos submundos da internet, muitas vezes para a aplicação de crimes. “O mercado da internet, como um todo, veio com um viés ligado ao mundo meio obscuro. Então, a proteção de dados é muito necessária. Ela ajuda até mesmo em termos de concorrência mais leal”, afirma.
Além do uso legal dos dados, empresas devem entender ainda o melhor momento para utilizar as informações. Muitos dados de navegação na web, por exemplo, viram anúncios digitais de carros e outros dados que praticamente saltam da tela do smartphone sem pedir licença. Algumas fazem ligações a partir de pesquisa sobre “empréstimo pessoal” ou “mudar plano de internet”.
“É preciso saber o momento correto do touchpoint, ou seja, o momento correto de uma abordagem a partir do uso de dados”, explica Eduardo. “O grande problema hoje é o dilema que as empresas vivem de posse de tantos dados dos consumidores. Ao mesmo tempo que você quer democratizar o uso do dado para fazer o melhor uso possível, você precisa anonimizar para que não descubram quem você é. É o desafio de hoje”, explica Marcelo.
Assista ao painel na íntegra abaixo ou escute o podcast completo aqui.