É de interesse geral a realidade prestes a ser instalada em território nacional, mas muita gente que está no mercado financeiro, de regulação ou negócios, está com borboletas no estômago. Sabe aquela sensação que é um misto de excitação com frio na barriga na expectativa de um primeiro encontro que promete? É que no curso de modernização dos mercados de crédito, que é tendência global, o Brasil está contando os dias para a quarta e última etapa do Open Banking (com implementação prevista para 15 de dezembro de 2021), contemplando operadores de dados e ampliando o conceito para o Open Finance (abertura do mercado financeiro); quando será possível compartilhar dados como operações de câmbio, investimentos, seguros e previdência.
Com base na Agenda BC#, o Bacen colocou em pauta uma série de diretrizes de inovação que viabilizaram a abertura do sistema bancário, o Open Banking, (que, recentemente, entrou na 3ª fase de implementação) e, entre medidas de padronização e flexibilização, autoriza clientes de produtos e serviços bancários, compartilharem suas informações com mais de uma instituição (é possível fazer movimentações em plataformas que não sejam o banco da conta do cliente, vender e até excluir dados se assim desejar). A infraestrutura digital do sistema financeiro aberto deve ampliar o mercado, trazer competitividade, além de autonomia e melhores experiências aos consumidores (livres para compartilhar dados pessoais e transacionais com as instituições financeiras que oferecem serviços mais adequados ao seu perfil).
Juntos e misturados
Open Banking e Open Finance juntos no Brasil; olhando para um passado não muito distante, quem diria? E agora que a iniciativa é real e oficial, o painel Regulação, Inovação e Competitividade no Open Finance, do IX Conference, reuniu sob mediação de Loise Nascimento, Head of Regulatory da Movile e Líder do Comitê Financeiro da ABO2O (Associação Brasileira Online to Offline), o Economista e Professor Fábio Lacerda; Eduardo Fraga, Diretor da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e Vanessa Fialdini, Sócia Fialdini Advogados. “Para começar, podemos incluir a tecnologia dentro do nosso debate”, disse a moderadora convidando os participantes a exporem como enxergam a estrutura tecnológica no processo de Open Finance no Brasil.
Sob o chapéu de economista, agregando um olhar mais abrangente sobre o sistema financeiro e a intervenção regulatória que viabiliza o uso da inovação tecnológica para alavancar a oferta de produtos e serviços financeiros, Fábio Lacerda, que integrou por anos a área de regulação do Banco Central do Brasil, atua como Short Term Expert no Fundo Monetário Internacional (FMI) e Research Fellow no Weatherhead Center for International Affairs, da Universidade de Harvard (EUA), explicou: “o regulador não está criando nada. Está catalisando um processo, que é um movimento natural na sociedade, que demanda serviços melhores, mais baratos e eficientes e percebe que a tecnologia pode entregar. Esse é o ponto”.
“O regulador lê a realidade, percebe que isso está em curso e que precisa sancionar o processo. De fato, abraça a tecnologia como um instrumento para fomentar a competição e promover a entrega de produtos e serviços de melhor qualidade a um custo mais acessível a todos os brasileiros. Cria infraestrutura, mas não faz o trabalho”.
Mercado regulado, mas sem limites para crescer
Também professor e pesquisador com foco no estudo dos diferentes impactos das inovações tecnológicas sobre os sistemas financeiro e de pagamentos, Lacerda, didaticamente, exemplificou: “pense num loteamento de casas de luxo num condomínio: o poder público leva a fiação, a eletricidade, conexão para internet, iluminação pública, saneamento básico, mas as pessoas habitarão em casas que foram construídas por construtoras privadas a partir de projetos de arquitetos criativos de escritórios que produzem as melhores e mais belas casas. A grande questão é que o poder público regulador intervém para criar a infraestrutura, mas ele não constrói. Quem tem que construir é o mercado. É isso que os reguladores brasileiros têm feito; criado infraestrutura para que agora o mercado comece a trabalhar”.
Familiarizada com as causas de organizações disruptivas e colaborativas que povoam a economia digital, a sócia Fialdini Advogados, Vanessa Fialdini, disse ver com bons olhos a conduta, escuta atenta e abertura para o diálogo do Bacen.
“No Brasil, o órgão regulador espera primeiro o mercado se desenvolver. Notamos que as ideias vêm primeiro. Quando o regulador resolve sancionar a norma, já está amadurecida no mercado, que já discutiu. O próprio regulador entende as necessidades do mercado e do usuário do serviço. Quando vem a regulamentação, o mercado, que tem se equilibrado de forma adequada, já está preparado. O regulador tem feito o seu papel quando surge desequilíbrio. Um mercado não regulado é menos desenvolvido, menos explorado e menos benéfico pelo usuário do produto”.
Ofertas de mais instituições financeiras melhora o mercado
A advogada, que acompanha proximamente dinâmicas das plataformas digitais que estabelecem junto aos órgãos reguladores agendas propositivas, sentencia: “temos um modelo de regulação muito feliz, embora existam modelos internacionais nos quais, às vezes, a gente se baseia, quando eles chegam ao Brasil. O nosso dá muito mais certo que alguns praticados em lugares que desenvolveram antes que o Brasil. Considero este modelo de Open Banking caminhando mais maduro do que o Europeu. Há uma abertura muito grande do regulador, está sempre ouvindo o mercado (coisa que anos atrás não acontecia). Isso é muito benéfico”.
“O aparato tecnológico pode ter um papel fundamental para tornar mais simples o acesso a produtos, principalmente, seguro e previdência, sob os quais a SUSEP tem jurisdição, para pessoas de baixa renda. No que se refere ao uso de dados, no mercado de seguros, é a principal matéria-prima. É com base nos dados que se faz precificação, avalia riscos, verifica o perfil do consumidor (pessoa natural e pessoa jurídica)”, afirma Eduardo Fraga, Diretor da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).
“A possibilidade de compartilhamento seguro de dados entre as instituições participantes oportuniza o acesso a esta matéria prima (desde que consentido pelo consumidor); diminui barreiras para atuação nesse mercado, estimula a concorrência e a inovação. Isso, em si, já é benefício direto para o consumidor. É uma ferramenta super importante no ambiente de regulação com o objetivo de garantir acesso maior”.
Empoderamento absurdo ao consumidor e empresas menos ansiosas
Os painelistas avançaram sobre a questão do Sandbox Regulatório. Avaliaram que a iniciativa que permite às instituições, já autorizadas e ainda não autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, testar projetos inovadores (produtos ou serviços experimentais) com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos, é, em linhas gerais, válida e fabulosa, mas que o Open Finance abre oportunidades que independem dela e passam por decisões estratégicas das empresas. Os participantes também comentaram dinâmicas de cooperações nacionais e benchmarks internacionais, bem como perspectivas que se abrem às vésperas da institucionalização do Open Finance e zonas cinzentas ou polêmicas como a entrada de Big Techs no mercado financeiro.
Para a mediadora, que propôs um exercício de significação:
“Open Finance é um leque tão aberto que não dá para imaginar ou fechar uma aposta sobre quais modelos de negócios podem surgir”.
Fialdini concorda: “o céu é o limite”. Fraga comenta: “Eu gosto de um exemplo do Otávio Damásio, diretor de regulação do Banco Central; é como se fosse a internet, aos poucos as inovações vão sendo colocadas, novos serviços vão sendo entregues para o consumidor. Isso não acontece da noite para o dia. Vemos como uma oportunidade incrível, única para o consumidor, um empoderamento absurdo”.
Campo aberto
Já Lacerda disse: “gostaria de medir o sucesso do Open Finance ao longo dos próximos anos, analisando os próximos eventos e a participação do regulador. Quanto menor for a participação do regulador nos próximos eventos, mais sucesso terá tido na regulação. O regulador tem que sair do protagonismo. Se os dados são o novo petróleo, devemos pensar que para obter petróleo, que está lá embaixo, no fundo da terra, alguém tem que fazer a prospecção. Alguém tem que retirar. Alguém tem que refinar e alguém tem que transformá-lo em produtos que sejam úteis para as pessoas. O resto do mercado produzirá automóveis e outros tipos de produtos que usam derivados de petróleo. O dado é valioso para quem sabe usá-lo”.
“Devemos começar a discutir mais e mais com o ecossistema que vai usar o dado para entregar produto. Acima de tudo, temos que disseminar esse conceito como algo benéfico para o usuário final. Segundo uma pesquisa Accenture, que mapeia os tipos de consumidores bancários em 28 países (quase 50 mil entrevistados), chama atenção que, no caso brasileiro, os grupos de personas mais aptos ao uso de tecnologia são exatamente os pioneiros e os pragmáticos. E são exatamente os mais conscientes de que os seus dados têm valor e que podem utilizá-los em troca de benefícios. Vejam: o usuário brasileiro, em regra, está disposto a entregar seus dados se perceber que está ganhando com isso. Sinal que o mercado ofertante precisa se adaptar a essa realidade. O regulador criou a infraestrutura e cabe ao mercado, efetivamente, construir em cima dessa base”, encerra Lacerda.
Assista abaixo ao painel na íntegra ou clique aqui para ouvir o podcast completo.