Toda a mística de inovação que existe sobre o Vale do Silício não é fenômeno recente. Na verdade, o espírito empreendedor/tecnológico surge entre as décadas de 1940 e 1950 a partir de Frederick Terman, um engenheiro e reitor da Universidade de Stanford. Ele foi um dos primeiros a incentivar professores e graduados a começar suas próprias empresas, tais como o Hewlett-Packard (ou HP, famoso pelas impressoras), Varian Associates, e outras empresas de alta tecnologia. Ou seja, a manjedoura do Silício foi Stanford. O pai foi Terman.
Após o pequeno empurrão, Stanford e o Silício não pararam de produzir tecnologias. Surgiram pesquisas e negócios e softwares, hardware e telecomunicações. Em 1969, o Stanford Research Institute (agora SRI Internacional) foi importante um dos construtores da chamada ARPANET, que seria o antecessor da internet.
O próprio Google surgiu lá. O famoso buscador foi criado em janeiro de 1996 como um projeto de pesquisa de Larry Page e Sergey Brin, quando ambos eram estudantes de doutorado na Universidade Stanford, na Califórnia, Estados Unidos. E aqui entra outro agente importante para esse novo momento de Stanford e o Silício: o governo americano, que passou a financiar ideias como o do Google por meio do projeto Massive Digital Data Systems (MDDS).
Hoje, o Vale do Silício é uma conjunção de agentes e esforços, mas que fundamentalmente possuem empresas, universidade e o governo. E esse formato está ganhando o mundo.
Princípios dos polos de inovação
No Brasil, por exemplo, existem polos bem-sucedidos que promovem o encontro dessas forças da sociedade. Em Campinas, empresas e a prefeitura auxiliam a Unicamp a produzir inovação, especialmente para a indústria e a agropecuária. Em São Paulo, existem projetos em andamento dentro da Universidade de São Paulo. Há ainda ideias similares em Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina e outros lugares. Candidatos para o Silício brasileiro não faltam.
Segundo Bruno Mancini, secretário de finanças de Osasco, existe um projeto similar em andamento e que conta com a participação da FATEC. A ideia é transformar a cidade em polo de inovação, abandonando o passado de cidade industrial. Para que isso ocorra, algumas premissas já foram adotadas.
“Precisamos valorizar as relações entre empresas, poder público e a academia. Essas construções devem entender que o cidadão para a prefeitura, o cliente para a empresa e o universitário para a academia, no fundo, representam a mesma pessoa. Só estamos olhando por ângulos diferentes”
Essa visão única do morador de Osasco, segundo Bruno, ajuda a identificar particularidades entre empresas, universidades e o poder público. Hoje, a cidade busca por essa identificação e está no caminho certo.
Por outro lado, as empresas também precisam entender que elas possuem algumas semelhanças com o poder público. Segundo Igor Cordeiro, Head of Public Policy Facily, empresas adotaram agendas reputacionais nos últimos anos, que outrora eram exclusivamente de interesse do poder público.
“Empresas estão se tornando cada vez mais parecidas com o estado. Não se pode apenas entregar um produto, mas é necessário olhar para a reputação, o compromisso social, em que ambiente está posicionada e o que ela pensa sobre o futuro. O próprio conceito de lucratividade vem mudando. Nesse sentido, é muito importante a conexão da universidade com o poder público e com o setor privado”
Por onde começar?
Na avaliação de Vânia Gracio, founder e CEO da Sing Comunicação, está sedimentado a necessidade de construção dessas relações. Mas quem deve dar o pontapé inicial? “Sabemos que é importante, mas pode onde devemos começar isso. Seria pelo governo?”, questionou.
Para Bruno, não é importante entender quem começa ou termina essa conversa. O importante é entender que esse diálogo existe, pode ser acionado por qualquer pessoa, é fluido e o mais importante: todos buscam o mesmo objetivo.
“Ela (relação) não pode ser proposta, mas construída coletivamente. Penso que a principal dificuldade na construção dos polos, e que vimos isso nos anos anteriores, é que eu não posso impor a minha lógica como poder público. Não posso dizer como funciona a minha relação com o cidadão e, a partir dela, dizer o que uma empresa deve fazer”, afirma.
A sinergia entre os agentes é o espírito que une todos os agentes. E é preciso ainda encontrar um líder.
“Se não houver maestro construindo uma harmonia entre esses três faces, dificilmente a gente conseguirá colher um resultado efetivo. O ponto principal é que todos os players tenham o olhar para o mesmo sentido no horizonte”, explica, Francisco Felinto, diretor Geral da Fatec Osasco.
A agenda ESG
Sobre os temas, empresas, poder público e as universidades têm buscado inovações inseridas no contexto da agenda ESG ou Environmental, social and governance. Em linhas gerais, trata-se de uma avaliação da consciência coletiva de uma empresa em relação aos fatores sociais e ambientais.
Para o poder público, que constantemente é cobrado por atitudes que levem em conta governança, impacto ambiental e questões social, não é algo novo. A novidade é justamente a participação das empresas. O dinheiro pelo dinheiro não sustenta mais o negócio. É claro que isso impacta a universidade, que agora deve pensar inovação a partir desses pressupostos.
Quem ganha com tudo isso é a sociedade, que pode ser impulsionada pela inovação produzida nos polos de inovação.
“As áreas de ESG e políticas públicas estão juntas na Facily, pois estamos falando de um setor de impactos positivos. É uma área de responsabilidade ambiental e social e governança”, explica Igor.
“O mercado financeiro entendeu a escassez dos recursos naturais e isso virou uma oportunidade de negócio. Mais do que isso, muita gente entendeu que a desigualdade social excessiva mata o capitalismo. Não há poder de compra”
Na avaliação de Bruno, os novos negócios foram transformados em plataformas que entregam valores. Todos entenderam que fazem parte de um ecossistema social, econômico e ambiental. “Os governos precisam se preparar para isso, senão vira quase um balcão de favores: a empresa tem uma política ESG, então vem um governo e pede para a companhia plantar umas mudas. Isso é desperdiçar o potencial dessa ideia. Ela ajuda a repensar modelos urbanos” explica.
Foi exatamente o que aconteceu com Israel e o próprio Silício. O comportamento local influenciou os agentes, que produziram uma inovação e aprimoraram o bem-estar local. O ganho exponencial ou a escalada do negócio é quase uma consequência. A fluidez dessas instituições será decisiva para um mundo em transformação.
Assista ao debate na íntegra no vídeo abaixo:
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