Uma das principais manifestações de desigualdade social ocorre no desenho de uma cidade ou até mesmo no planejamento urbano. Uma recente pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre a cidade de São Paulo aponta que as chances de um brasileiro da parcela dos 10% mais ricos na capital paulista morar perto do emprego superam em mais de nove vezes as probabilidades entre os 40% mais pobres.
Ou seja, o paulistano que mora na periferia precisa andar – e andar muito – até chegar ao seu emprego. Estima-se que ele percorre, em média, 15 km por trecho – ou seja, 30 km por dia. “Estudos apontam que, em média, duas horas é o tempo que as pessoas levam de deslocamento (por sentido, ou seja, 30 km somando ida e volta). Antes de pensar a mobilidade pura e simples, precisamos discutir essa questão como a cidade se desenha”, afirma Lilian Lima, public policy da 99 e líder do comitê mobilidade da ABO2O.
Ou seja, a cidade do futuro, mais justa e humana, depende do redesenho urbano que precisa ser pensado hoje.
José Police Neto, ex-presidente da Câmara Municipal de São Paulo e atual superintendente da unidade de planejamento e assuntos estratégicos em Santo André, no ABC paulista, explicou sobre o antigo/atual desenho da cidade e como a atual planejamento urbano, aos poucos, começa a mudar a história de grandes centros urbanos.
“A cidade pensada no passado tinha essa questão de setorização. De um lado, havia espaço só para as moradias e, do outro, o espaço para a geração de emprego. Naquele tempo, os antigos gestores imaginavam que moradia e trabalho eram coisas incompatíveis. Superamos essa ideia de uma cidade que não era múltipla. Hoje o uso é misto. Temos que pensar a cidade interagindo com todo o resto”, explica.
Police destaca que esse redesenho terá alguns impactos, alguns deles positivos. Uma delas é que provavelmente não teremos o deslocamento de quatro horas diária de uma população periférica do tamanho de um Uruguai com destino ao centro de São Paulo. A oportunidade estará mais próximo da residência do morador – ou oportunidades de moradia serão abertas no centro.
Modelo de financiamento
O tempo menor de deslocamento da periferia ao centro terá ainda um impacto no modelo de contrato entre gestores públicos e empresários das empresas de ônibus, hoje baseado fundamentalmente no valor pago na catraca e ainda nos subsídios que sustentam as tarifas gratuitas de estudantes, idosos e outras pessoas garantidas por lei.
“Existe uma crise de ano no transporte público. Com a pandemia, a ferida ficou exposta e mostrou a gravidade do nosso modelo de financiamento de transporte baseado apenas na tarifa. Então, quando a gente tem o transporte público, que não tem recurso e é obrigado disputar o passageiro no mercado e precisa competir com empresas e outros serviços sem as mesmas exigências, temos um desequilíbrio do modelo de transporte público. A gente está caminhando para um processo quase irreversível de melhoria e redesenho do transporte público”, afirma Rodrigo Tortoriello, sócio fundador da RT2 consultoria.
“Precisamos colocar o transporte público em pé de igualdade com esses outros provedores. Temos um sistema muito defasado, seja do ponto de vista das gerações de dados e informações, além da experiência do usuário que precisa estar mais compatível com o desejo da sociedade de hoje. A maneira como as pessoas se relacionam com o transporte público é a mesma há quase 20 anos. E há 20 anos a gente não tinha internet móvel, celular e muito menos os provedores de mobilidade”, explica Luiz Renato, CEO e Cofundador Onboard, empresa responsável pelo desenvolvimento de dispositivo de Bilhetagem Digital (DBD).
Novos modelos
Entre os modelos citados por Tortoriello estão os aplicativos de mobilidade, que atuam tanto na concorrência com o transporte individual, caso da 99 ou a Tembici, ou ainda modelos coletivos, tais como o Fretadão.
Para a felicidade ou não do poder público, os novos modelos já animam o consumidor e, aos poucos, ampliam a lista de vantagens na comparação com o serviço público, tais como preço, comodidade e a tal experiência do usuário ou customer experience.
Segundo Antônio Carlos Gonçalves, cofundador Fretadão, há um estudo que aponta que um ônibus fretado pode retirar quase 30 veículos particulares das ruas. “Infelizmente, observarmos a média de uma pessoa no transporte individual, ou seja, há apenas o motorista sem qualquer outro passageiro. O ônibus reduz o impacto ambiental, diminui o desperdício na casa dos bilhões com o congestionamento e mais inteligente para a cidade”, explica.
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Dia 1