A pandemia do novo coronavírus pegou o mundo de surpresa. A crise sanitária sem precedentes na história recente causou queda drástica na economia, crise política e de saúde pública, dentre outros efeitos colaterais que deixarão sequelas. Tão inusitada que nem as pessoas mais preparadas para enfrentá-la têm certeza sobre as melhores escolhas a se fazer para salvar vidas. Médicos e profissionais de saúde de todo o planeta encaram uma das situações mais críticas e urgentes de nosso tempo.
O Instituto Startups, com apoio da Sharecare, American College of Physicians (ACP) e Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), reuniu especialistas com visões complementares de conhecimento, como a Epidemiologia, Medicina Baseada em Evidências, Saúde Mental, Gestão da Saúde e Tecnologia para debaterem o que está sendo feito para minimizar o impacto da crise sobre a sociedade brasileira e a população mundial. E sobre os aprendizados e avanços proporcionais ao desafio.
O tema Covid-19 e o Efeito Medici remete ao campo que se amplia para descobertas e práticas épicas. “Efeito Medici é o título de um livro que fala sobre inovação e de como ela ocorre por meio da integração de várias áreas do conhecimento. A obra faz alusão ao movimento Renascentista, época em que a família Medici de banqueiros, de Firenze, na Itália, reuniu pessoas com diversos saberes para juntas criarem o futuro da humanidade”, explica Dr. Paulo Lotufo, professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina na USP, que atua nas áreas de bioestatística e epidemiologia.
Segundo o autor, Frans Johansson, os inovadores conseguem revolucionar o mundo ao penetrarem na “intersecção’ de conceitos diversos e diferentes culturas, em ambiente que congrega a proliferação de ideias nos campos da ciência, arte, política e dos negócios. A colaboração, que, dentre outros aspectos, é determinante para a inovação aberta (open innovation, no inglês), se faz ainda mais benéfica e necessária em tempos de crise para gerar valor para empresas e a sociedade.
Pandemia instalada no Brasil, uma ameaça real, até quando?
Um dos moderadores do tema, Dr. Bruno Scarpellini, médico epidemiologista e infectologista e mestre em saúde pública, admite: “desde janeiro eu e colegas da área de saúde começamos a conversar em grupos e fui um dos únicos a falar que era uma questão de tempo, mas viria. Cheguei a ouvir que eu estava vendo muito filme sobre pandemia e precisava relaxar. Mas, aos poucos, fui comprando máscaras cirúrgicas”.
Em um mundo globalizado, a lição que a pandemia trouxe na bagagem foi rapidamente aprendida; é mestra em se espalhar sem deixar rastros e traz enigmas para a ciência desvendar. A pergunta que não quer calar sobre essa doença, que chegou sem avisar, apresentou um passaporte rodado internacionalmente, com nome e sobrenome, Covid-19, passado desconhecido e futuro incerto, é: quando é que vai embora? O tempo em que avançará sem possibilidade de controle é uma incógnita. Todos concordam que é preciso um aliado tão hábil quanto o vírus para alcançar as pessoas: a tecnologia.
#Fiqueemcasa conectado: o antídoto do “novo normal”
Os profissionais de saúde viram a crise bater à sua porta e a sociedade, desorientada, pedindo socorro. Logo que começou a avançar e a transmissão local se tornou realidade em todos os continentes, boa parte da população (aqui no Brasil e em outros Países) aceitou a recomendação das autoridades mundiais de saúde, que originou e se transformou em uma das hashtags mais usadas no planeta, em vários idiomas; quase um mantra dos novos tempos #fiqueemcasa.
Do sofá, os confinados viram o inimaginável acontecer. Medidas de isolamento social horizontal (que abrange todas as camadas e setores da sociedade) foram adotadas para achatar a curva de transmissão da doença. O home office se tornou opção para grande parte das pessoas e empresas continuarem a trabalhar, com adaptações feitas às pressas.
Os desdobramentos dessa imobilidade repentina abateu a condição financeira (a ponto de fazer rendas desaparecerem) e mudou a realidade das pessoas. Serviços, antes pagos, oferecidos por plataformas online, passaram a ser, temporariamente, gratuitos, como os de conteúdo e psicólogos que atendem uma população cada vez mais carente de saúde física e mental, incluindo a categoria médica .
Redes de ensino, pública e privadas, tentam trazer os alunos de suas estruturas presenciais para o ensino à distância. Serviços delivery cresceram exponencialmente, plataformas inovam ao oferecer opção de entregas com protocolos preventivos rígidos; sem contato físico para aumentar a segurança dos clientes e entregadores. Mas nem todos podem parar de se locomover e ficar em casa. Há pessoas que prestam serviços essenciais, como os médicos, profissionais de saúde e funcionários de supermercados, farmácias, bancos, e envolvidos em outras atividades a exemplo de transporte e cadeia de abastecimento.
Quem poderá salvar a saúde? Profissionais de máscaras com ferramentas digitais
“No caso de médicos e profissionais de saúde, quase 100% está ansioso e busca ser o agente de esperança. Cientes da importância de seus préstimos, especialmente em tempos de pandemia, mais expostos aos fatores estressores do trabalho, muitas vezes, chegam ao limite físico e mental, alerta Dr. João Silvestre da Silva Júnior, mestre em Saúde Pública, especialista em Medicina do Trabalho, Medicina Legal e Perícia Médica. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), extensas jornadas de trabalho aumentam o risco de essas pessoas sofrerem infarto do miocárdio, depressão, derrames e com outras doenças. E a Síndrome de Burnout encontrou terreno ideal para avançar.
O Dr. João Silvestre ensina à audiência como identificar a síndrome: “a despersonalização é um dos primeiros sinais de burnout. A pessoa deixa de ser o que ela era antes da crise, monta um avatar que veste para ir trabalhar. A melhor forma de a gente perceber é observar mudanças drásticas em relação ao comportamento habitual. A segunda característica é a exaustão. E o terceiro indício é a baixa realização profissional”, explica.”Devemos analisar se será necessário equalizar. Os profissionais de saúde precisam de escuta, canais de diagnóstico e redes de acolhimento”, conclui Dr. João Silvestre.
A humanização dos atendimentos por meio da tecnologia surge como uma iniciativa para aliviar o sofrimento, tanto de pacientes de Covid-19 quanto das equipes de saúde. “O que tenho visto mais é a utilização de robôs, iPads e celulares para que as pessoas possam ficar assistidas”, explica a médica endocrinologista, CMIO da Sharecare Brasil, Dra. Ana Cláudia Pinto, que falou sobre como o uso de tecnologias, wearables e programas de gerenciamento podem ajudar nesse processo.
Heroínas com telepoderes, novas tecnologias e ferramentas digitais
“Utilizar novas tecnologias no atendimento humanizado é uma tendência que vale não só para a experiência dentro dos hospitais, como também para as pessoas confinadas em casa, complementa Dra. Ana Cláudia, que após sua experiência com Tecnologia da Informação em uma empresa, deixou o B2C para atuar no B2B: “ao invés de atender uma pessoa de cada vez passei a levar prevenção e saúde para uma população inteira”, conta.
“Iniciaremos uma segunda fase de coleta de informações, com tecnologia aplicada em base ampliada para 40 mil pessoas e um fator novo; começaremos a avaliar a saúde mental das pessoas. No primeiro stream digital, a quantidade de pessoas avaliadas com intenção de se ferir ou cometer suicídio foi assustadora. A perspectiva em tempo real via mecanismos digitais desencadeou uma mudança rápida de conduta”, revela a médica à frente do Programa Covid-19 que, em breve, terá novas etapas (usando chatbots e telemedicina).
Dr. Bruno Scarpellini contou ter sido um dos pioneiros a defender a Telemedicina como alternativa para o enfrentamento da pandemia, apesar de ter sido alvo de críticas. Dr. Paulo Lotufo concorda: “a Telemedicina sempre foi um tabu no Brasil. Acho que é a grande mudança”, avalia o professor. Novas tecnologias e ferramentas digitais emergem no debate como essenciais pois permitem extrair o melhor proveito de volumosas bases de dados existentes sobre saúde e tomada de decisões mais assertivas por parte de gestores da área e lideranças governamentais.
Grandes laboratórios privados de medicina diagnóstica com capital aberto e bureaus internacionais de pesquisa atuam como hubs de inovação e encontram no cenário atual de pandemia uma realidade mais aberta à Telemedicina e Inteligência Artificial (apesar de se mostrarem tendências no setor, antes encontravam resistência e deram passos mais largos, especialmente, no campo da legislação).
Vidas não são números mas números podem ajudar a salvá-las
“Os três divisores importantes para o controle dessa pandemia serão: uma vacina eficaz, um tratamento antiviral específico e um estudo com segurança sobre anticorpos neutralizantes”, comenta Dr. Bruno Scarpellini. Sob esse contexto, Dr. Felipe Roitberg, médico oncologista titular do Centro de Oncologia Hospital Sírio-Libanês e ICESP, moderador da segunda parte da live, introduziu no debate a médica e professora de Medicina Baseada em Evidências (MBE) na Escola Paulista de Medicina Unifesp, Dra. Rachel Riera, a quem pediu para que esclarecesse dúvidas da audiência, especialmente sobre o que a síntese de evidências agrega às decisões médicas.
“A chegada da Covid-19 mostrou um cenário que talvez não quiséssemos enxergar. Falo isso com tristeza. A maioria de nós, médicos, não tem preparo para gerenciar o conhecimento na área da saúde. Muitos profissionais de saúde não têm nem ideia do que é uma randomização ou diferença estatística. A síntese de evidências, entre elas, a revisão sistemática, tem uma função principal, não só nesse momento de crise, mas no dia a dia da saúde”, situa a Dra. Rachel Riera, que informou como avançam os estudos sobre potenciais medicamentos para tratar Covid-19; Cloroquina, Remdesivir e Ivermectina. Deu uma aula sobre os parâmetros para analisar sob modelagens adequadas da MBE os resultados dos estudos.
Lições de casa e saúde na quarentena
“Já temos uma abordagem psiquiátrica prévia para avaliar repercussões da pandemia na população por meio de um questionário que investiga como está a situação em casa na quarentena (trabalho remoto, alterações de sono, situações de sofrimento emocional, luto, como se protegeram ou se sentiram ao ficarem expostos à contaminação). Ao fim da pandemia avançaremos para a coleta de amostras de sangue, urina, swab oral e nasal, dentre outras, para fazermos a ligação com o status cardiometabólico, conta Dr. Paulo Lotufo, organizador do estudo epidemiológico ELSA-Brasil,
“Eu acho que já aprendemos muitas coisas. Trabalhar a gestão de conhecimento na área da Saúde é essencial. Precisamos preparar futuros médicos para procurarem os melhores estudos e evidências no dia a dia. Também devemos reconhecer o papel da mídia nesse momento de pandemia e mais; promover iniciativas de aproximar o jornalismo da medicina. Jornalistas sabem fazer a informação chegar à população de um jeito que nós médicos não sabemos” finaliza Dra. Rachel Riera.
Sim, “o médico deve ser capacitado como gestor para ter melhores condições de ver a saúde sob a perspectiva da humanização” concorda Dra. Ana Cláudia. Tenho atendido muitas pessoas por Telemedicina nesses dias de pandemia. Ligo para meus pacientes quase todos os dias. É uma rotina de muito trabalho, mas nos conecta”, diz Dr. Bruno Scarpellini. “Minha mensagem para esse momento é criar e contar com redes de apoio: empatia e acolhimento”, diz o especialista em burnout Dr. João Silvestre.
Para finalizar, Dr. Felipe Roitberg faz uma oportuna menção à Declaração de Helsinque, que menciona: “em pesquisa clínica com seres humanos, considerações relacionadas com o bem-estar dos seres humanos devem prevalecer aos interesses da ciência e sociedade”. No contexto de corrida contra o tempo para buscar vacina e medicamento específico para tratamento de Covid-19, Dr. Felipe Roitberg conclui “como médicos, devemos agir de acordo com os princípios bioéticos, sem violar os acordos internacionais”. Sob a perspectiva humana, evidencia-se que sua conexão com as novas tecnologias adquirem papel vital daqui em diante.
Sobre os especialistas e temas da live transmitida em 04 de maio – “Covid-19 e o Efeito Medici”:
Abertura / tema – Epidemiologia da doença, achatamento da curva e estratégias do isolamento social:
Paulo Lotufo – Professor Tiltular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, orientador do mestrado e doutorado em Ciências Médicas (Ensino e Saúde) e em Epidemiologia. Organizador de estudos epidemiológicos como o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA – Brasil), Estratégia de Registro de Insuficiência Coronariana (ERICO, Estudo de Morbidade e Mortalidade do Acidente Vascular Cerebral (EMMA), que produziram em conjunto mais de duas centenas de artigos científicos originais e mais de quatro dezenas de mestrados e doutorados na área médica e da saúde coletiva.
Moderadores
Bruno Scarpellini – MPH, PhD, FACP, Médico infectologista e Epidemiologista, Head RWE, Epidemiologia, HEOR e ATS Techtrials International.
Dr. Felipe Roitberg – Médico Oncologista Titular do Centro de Oncologia Hospital Sírio-Libanês e ICESP – Grupo de Tumores Torácicos & Cabeça e Pescoço. Young Leader União Internacional de Controle do Câncer. Colaborador Organizador Mundial da Saúde (OMS), International Agency for Research on Cancer (IARC) e National Institutes of Health (NIH).
Participantes por temas
Tema: gestão de saúde e equipes, burnout e qualidade de vida de profissionais de saúde
Dr. João Silvestre da Silva Júnior – Doutor e Mestre em Saúde Pública, especialista em Medicina do Trabalho e em Medicina Legal e Perícia Médica, além de Professor do Departamento de Medicina do Centro UniversitárioSão Camilo, Perito Médico Federal do Ministério da Economia, pesquisador na área de saúde do trabalho , Gestão de Saúde e Burnout.
Tema: economia e avaliação da tecnologia em saúde
Dra. Rachel Riera – Médica coordenadora do Núcleo de Tecnologias em Saúde, Hospital Sírio-Libanês. Professora Adjunta de Medicina Baseada em Evidências, Escola Paulista de Medicina, Unifesp.
Tema: uso de tecnologias, wearables e programas de gerenciamento podem ajudar tanto os pacientes de Covid-19 quanto as equipes de saúde
Dra. Ana Cláudia Pinto – CMIO da Sharecare Brasil, médica endocrinologista com doutorado em Medicina pela Unifesp e MBA Executivo pelo IBMEC – SP (INSPER), Gestão de Qualidade Vida no trabalho pela FIA-USP.
Assista ao Webinar na íntegra