No dia 31 de Outubro, uma sexta-feira, a UNESCO realizou em Paris um evento para comemorar o Dia das Cidades – o World Cities Day 2019. Uma das palestras foi de Felipe Chibás Ortiz, professor do CEACOM da ECA-USP, e líder do Grupo de Trabalho de Smart Cities / Cidades MIL do Instituto Startups e um dos keynote speakers confirmado no Congresso O2O Innovation Experience. Ele é autor de vários livros, sendo o organizador, junto com Mitsuru Yanaze, dos textos da obra intitulada com o tema que disseminará no Instituto Startups: “Marketing, Comunicação, Tecnologia & Inovação das Cidades MIL, um novo olhar sobre as cidades do futuro”. Nesta entrevista, Ortiz explica em detalhes tudo o que diz respeito ao tema e o papel das startups nesse contexto.
Instituto Startups (IS): O que significa o termo Cidades MIL?
Felipe Chibás (FC): O termo ou conceito cidade MIL é uma visão ou aproximação. Cidade MIL se refere primeiro às cidades Media and Information Literacy. E quando estamos falando de cidades MIL estamos falando de cidades Media Information Literacy. Isto é, cidades que utilizam as novas tecnologias, mas utilizam essas novas tecnologias com um sentido humano, com um propósito, com ética. E de forma cocriativa.
(IS): Quais as principais diferenças entre as chamadas smart cities e cidades MIL?
(FC): Estamos falando, por exemplo, de cidades que estimulam a diversidade e a respeitam. Cidades que usando as novas tecnologias, ou não, se caracterizam também pelo cuidado da ética, nas suas obrigações com os dados dos consumidores. Cidades que se preocupam com o combate às fake news, deep fakes e pós-verdades. E também cidades que se caracterizam por implementar e levar a sério o chamado enfoque MIL. O enfoque MIL ou Media Information Literacy ensina as pessoas – crianças, adolescentes, pessoas adultas, idosos – a ter um pensamento crítico em cima de todas as situações que acontecem na vida pessoal e na sociedade. Esse pensamento crítico é um pensamento que levanta as causas das coisas, a lógica que elas têm. Mas também o enfoque MIL enfatiza a utilização do pensamento criativo para – após o diagnóstico do pensamento crítico – utilizar ou empregar as habilidades de pensamento criativo. Então, essa característica do enfoque MIL, que surgiu no final do século passado, e que hoje tem tanto auge, esse enfoque MIL se caracteriza por isso, por ter essa perspectiva diferenciada.
Agora, esse enfoque MIL foi expandido para as cidades, fazendo com que as cidades tenham um caráter mais integral e que utilizem essas descobertas sobre as habilidades necessárias para o Media Information Literacy, que sejam aplicadas, sejam utilizadas por todas as cidades. Que se apliquem tanto no treino dos novos funcionários que trabalhem no metrô, ou nos transportes ou em qualquer outra área, e que esse treinamento seja oferecido em todos os setores. Esse é o conceito. Que se ofereça na educação, na cultura, arte, turismo. Ensinar as pessoas, empoderar as pessoas em todos os aspectos, em todos os espaços das cidades.
As principais diferenças entre as smart cities e as MIL cities ou cidades Media Information Literacy são as seguintes: a primeira é que smart cities focam muito o conceito da tecnologia. Enquanto as cidades MIL utilizam a tecnologia, mas com ênfase na ética, na diversidade, no ser humano. Em que esse ser humano tenha um pensamento crítico, que lhe permita detectar fake news, deep fakes, e pós verdades. Que esse ser humano seja capaz também de reinventar essa realidade. Essas são algumas das diferenças entre smart cities e MIL Cities. Podemos citar outras diferenças. O enfoque tecnológico das smart cities prioriza a integração entre diversas formas de trabalho das tecnologias da comunicação, como internet. Mas não foca uma integração humana. São duas diferenças importantes de enfoque.
(IS): Qual o papel de cada esfera da sociedade na construção desse conceito? (sociedade/estado/corporações públicas e privadas)
(FC): Entendemos que existe uma conexão entre todas essas esferas – governamental, acadêmica, artística e das empresas. São polos essenciais. E cada uma dessas quatro partes deve cooperar de maneira integrada para a aplicação do conceito MIL em todas as cidades. Por exemplo, se pode estar no metrô que transporta tantas pessoas em São Paulo, quatro milhões de pessoas, também podem estar na Prefeitura, criando-se um órgão de combate a fake news e de ética.
Esta forma de enxergar faz que os tradicionais stakeholders trabalhem de uma maneira muito mais integrada, se aproximem e tenham esse caráter de realmente trabalhar de forma colaborativa, cooperativa, e utilizando o pensamento crítico e o pensamento criativo para isso. E evidentemente se pode expandir por toda a cidade desde que esses elementos que mencionamos antes trabalhem de maneira integrada.
(IS): Qual o papel específico das startups nesse contexto?
(FC): O papel específico das startups no processo de construção de cidades Media information literacy ou cidades MILé fundamental. As startups devem trabalhar de forma cocriativa entre si e de forma cooperativa também com a população. De maneira tal que utilizando, por exemplo, o design thinking, uma metodologia de inovação e de criatividade, os startupers – pessoas que trabalham nas startups – se aproximem, através dessa metodologia, ou de outras, da utilidade final de seus produtos e serviços para a sociedade. E que na construção desses novos serviços empresariais os clientes, consumidores, clientes finais também participem dando ideias, tentando implementar algumas delas, junto com a equipe que organiza esse processo. É claro que esse processo estaria a cargo das startups.
Em Helsinki, por exemplo, as startups fazem projetos conjuntos com os cidadãos, com a população, permitindo dessa maneira cooperativa que se façam coisas que respondam às necessidades da população. Assim, com essa simbiose entre a sociedade e as startups, se tem resultados melhores de inovação e até mais lucrativos.
(IS): Como essas coisas se integram, proporcionando responsabilidade social e desenvolvimento humano nas cidades?
(FC): Essas coisas se integram. Muitas vezes, por exemplo, uma startup pode não apenas fazer um serviço ou produto lucrativo, mas também um que esteja dentro da inovação social. O que faz, por exemplo, com que se criem serviços não só novos, mas que realmente respondam à população, que realmente atendam às necessidades latentes da população.
Quando se consegue fazer isso, se consegue resultados melhores, tanto para as startups quanto para a academia, que ganha novas pesquisas, novos resultados, aprende com o mercado. Como também, por exemplo, para o governo, que vai poder lidar melhor com as necessidades da população, responder a ela de uma maneira mais rápida, inteligente, assertiva, e evidentemente os artistas se integrando nesse processo vão poder desenvolver e implementar coisas da sua imaginação. Então vai ser bom para todos os setores envolvidos.
(IS): Poderíamos chamar esse cenário de “um futuro mais inteligente”?
(FC): Eu não diria um futuro mais inteligente. Eu diria um futuro mais integrado, mais pós-humano, onde, trabalham de maneira integrada e de maneira bem coerente entre si, o mundo das máquinas e as novas tecnologias, o mundo humano e também, por que não, o mundo da natureza, no qual devem estar integrados o ser humano e essas novas tecnologias. E na simbiose desses três fatores, de uma maneira bem assertiva, integrada, cocriativa e colaborativa, evidentemente podemos ter uma sociedade em um futuro muito mais criativo e inovador e evidentemente muito mais positivo do ponto de vista ético e de diversidade.
(IS): Alguma consideração extra sobre o assunto?
(FC): Neste congresso do qual acabo de participar na sede da UNESCO em Paris, muitas das nossas ideias sobre Media Information Literacy se provaram. Estivemos ali com pessoas do mundo inteiro, consideradas os melhores e mais importantes experts do mundo a respeito de cidades. E se falou muito de inovação, de cidades inteligentes, mas se falou muito mais em cidades Media Information Literacy. Cidades que integram as novas tecnologias, mas com ética, diversidade, propósitos, e, evidentemente, com uma perspectiva futura que inclua esses três fatores que antes mencionei como elementos pós-humanos. Em primeiríssimo lugar o ser humano, entendido também como consumidor final de todas essas novas tecnologias. Também, evidentemente, essas novas tecnologias vêm com cada vez mais força e luz própria. E em terceiro lugar também o elemento natureza, integrado com essas novas tecnologias. Por exemplo se pensamos em como o agronegócio tem crescido aplicando em seus cultivos novas tecnologias, ideias e programas que surgiram das startups, podemos ver que realmente o futuro é promissor.