Mobilidade & Acessibilidade no Brasil: desafios para transpor barreiras

Cidades 1

O debate sobre o planejamento urbano e cidades do futuro deve ter como ponto central a acessibilidade. Conceitualmente, ela está ligada às oportunidades e compreende a facilidade com que um cidadão acessa serviços e espaços (como transporte, educação, locais públicos e de lazer) de forma digna e inclusiva (independentemente de ter ou não algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida). Já a mobilidade urbana vai hoje além da definição de mover-se de um ponto a outro e chega a contemplar a satisfação das necessidades das pessoas durante o deslocamento.

 

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou, em 2019, que o percentual da população brasileira com algum tipo de deficiência era de 25% (cerca de 45 milhões de pessoas à época). E o artigo 46 do Estatuto da Pessoa com Deficiência atesta: “o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso”.

 

Trio de obstáculos aos avanços no duo Mobilidade & Acessibilidade

 

Durante sua apresentação sobre Elementos Essenciais na Garantia de Mobilidade e Acessibilidade, Cid Torquato, CEO do ICOM – Libras (plataforma de comunicação entre surdos e ouvintes) e Secretário Adjunto da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, contribuiu com sua experiência profissional e pessoal. Com mais de uma década de atuação junto a iniciativas de desenvolvimento e gestão de políticas públicas voltadas à acessibilidade de pessoas com deficiência e sendo ele tetraplégico (desde 2007, após sofrer um acidente), Torquato conhece bem os limites para acesso e escolha modal em território nacional.

 

“Sob o aspecto físico, faço considerações que não esgotam o tema. Da minha perspectiva vejo a questão como um grande problema nas cidades brasileiras. A discussão é como chegar à mobilidade de troca de modais em diferentes pontos da cidade”, disse para situar três pilares onde esbarram avanços de boas práticas na mobilidade e acessibilidade de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida; calçadas, transporte público (ônibus) e táxis adaptados.

 

Cid Torquato

 

“Sob o aspecto físico, faço considerações que não esgotam o tema. Da minha perspectiva vejo a questão como um grande problema nas cidades brasileiras. A discussão é como chegar à mobilidade de troca de modais em diferentes pontos da cidade

Calçadas sem padronização: pessoas com deficiência sem chão

 

Legislações nas esferas federal, estadual e municipal garantem (no papel) a livre circulação de pessoas no Brasil. A prática segura desta locomoção implica em que além das normas de trânsito, também sejam cumpridas as que orientam o fluxo de pedestres nos chamados passeios públicos. “Embora São Paulo seja a cidade brasileira líder do ranking de acessibilidade do País (por oferecer equipamentos públicos acessíveis), a dificuldade para pessoas com deficiência é ir do ponto A ao B. É que as calçadas da cidade de São Paulo, assim como as de muitas outras cidades e capitais brasileiras, são muito ruins”, explicou.

 

“Há cerca de 60 anos, a manutenção das calçadas passou a ser uma responsabilidade do proprietário ou responsável pelo imóvel. Talvez seja o mais correto, mas a medida trouxe uma série de problemas. A falta de padronização é crítica. A gente vê as calçadas e não entende como os trechos podem ser tão diferentes uns dos outros, feitos com materiais diversos e técnicas distintas. A exigência do cumprimento das normas por parte dos gestores políticos é hoje tratada como uma ação impopular que desagrada eleitores.

 

Resulta que o poder público, em metrópoles como São Paulo, prioriza as calçadas consideradas estratégicas (circuitos determinados pelas subprefeituras que agregam o maior número de serviços, meios de transportes coletivos, circulação de pedestres, hospitais, centros de saúde, escolas e outros equipamentos sociais e privados). No entanto, há uma expectativa de avanço: o Programa Cidade Acessível, recém-anunciado pelo governo de São Paulo, prevê R$ 100 milhões em investimentos nas áreas da educação, saúde, lazer, esportes e infraestrutura, com repasse aos municípios a partir de outubro deste ano”, contou.

 

Advocacy: ônibus mais modernos e inclusivos no ponto do transporte público

 

Se viver em cidades passa pelo potencial de usufruir de trocas culturais, sociais, afetivas e econômicas diversas e em escala entre cidadãos, o transporte público deve debruçar-se neste ponto. “O ônibus Piso Alto (que dificulta o embarque e desembarque até de pessoas sem problemas e motricidade) é ultrapassado, mas é a realidade nacional. Modelos de piso baixo (que “ajoelham”; inclinam-se para o lado da calçada e facilitam o ingresso) são exceções nas cidades do País e só acomodam um cadeirante. Caso dois amigos cadeirantes queiram fazer um programa juntos, um dos dois terá que esperar o próximo ônibus com a adequação para se encontrarem no destino. É preciso articular avanços para oferta de ônibus de piso baixo que acomodem, minimamente, dois cadeirantes“, defendeu.

 

Táxis acessíveis: dificuldades de adaptação

 

Em meados de 2020, estimava-se haver menos de 250 táxis adaptados na capital paulista (e a prefeitura publicou no mesmo ano o decreto 59.506 -2020 para ampliar a frota por meio da criação e sorteio de novos alvarás). O número em operação não atende a demanda pelo serviço e nem tem suas demandas custo-efetivamente atendidas. “Apenas dois modelos de veículos são adaptáveis no Brasil: a Spin (GM), com piso rebaixado. E a Doblo (Fiat) com a instalação do teto alto. É difícil recuperar o investimento na transformação necessária para permitir o ingresso do passageiro sobre a cadeira de rodas (importante porque muitos, como eu, sentem dores ao serem movidos da cadeira). O taxista que atende pessoas com deficiência realiza funções extras ao escopo (auxiliar o acesso ao elevador, por exemplo), que tornam os atendimentos mais morosos e, ao longo da jornada com tarifa convencional, menos rentáveis. Estudar uma compensação ou uma remuneração diferenciada é uma reflexão a ser feita”, ponderou.

 

Torquato encerrou com a expectativa de respostas às provocações que movam os órgãos reguladores das respectivas esferas competentes no sentido de providências concretas nas cidades.

 

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