O Brasil enfrenta uma nova e silenciosa onda de criminalidade: o “novo cangaço digital”. Inspirado nas ações violentas de quadrilhas armadas que aterrorizavam cidades do interior, o termo foi ressignificado para descrever a atuação de grupos cibernéticos organizados, que atacam alvos estratégicos com sofisticação tecnológica, inteligência tática e alta capacidade de disrupção. Se antes o terror era imposto com explosivos e metralhadoras, agora ele se dá por meio de ransomwares, fraudes bancárias, invasões sistemas críticos e manipulações via engenharia social.
O cenário é preocupante. De acordo com relatório da Fortinet, o Brasil sofreu mais de 103 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos em 2023, posicionando-se como um dos países mais visados do mundo. Empresas de todos os setores estão expostas, mas o impacto é especialmente severo para as pequenas e médias empresas (PMEs), que nem sempre dispõem de recursos técnicos e financeiros para estruturar defesas eficazes.
Estimativas do Sebrae e da Cybersecurity Ventures apontam que 70% das PMEs já foram alvo de algum tipo de ciberataque, sendo que 60% delas encerraram suas atividades em até seis meses após o incidente. O chamado “cangaço digital” não apenas sequestra dados e exige resgates em criptomoedas: ele abala reputações empresariais, compromete a confiança dos consumidores e paralisa serviços públicos e privados essenciais. Em 2022, diversos municípios brasileiros enfrentaram o colapso de sistemas de saúde, educação e finanças devido a ataques cibernéticos. Hospitais sem acesso a prontuários, prefeituras inoperantes e operações empresariais interrompidas por dias mostram que estamos diante de um risco sistêmico que afeta diretamente a governança digital e a resiliência econômica do país.
A ausência de proteção digital fragiliza a competitividade do setor produtivo, afasta investimentos, aumenta os custos operacionais e contribui para o aprofundamento da exclusão digital. Em um contexto de avanço da transformação digital e do crescimento do comércio eletrônico, não haverá inovação econômica sustentável sem segurança digital.
Nesse sentido, é urgente a consolidação de uma política nacional de cibersegurança, construída com base na articulação entre governo, setor produtivo, academia e sociedade civil. A recente criação da Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética, no Senado Federal, representa um passo relevante nesse caminho.
Entre as propostas em debate estão a criação de uma agência nacional com função reguladora e de coordenação técnica, a atualização do marco legal sobre crimes digitais, além de incentivos fiscais e linhas de crédito específicas para que PMEs invistam em proteção digital e adequação às melhores práticas internacionais.
Outro ponto crucial é o investimento em educação e cultura de segurança cibernética. O cidadão é frequentemente o elo mais frágil da cadeia, e os ataques via redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de e-commerce mostram como a desinformação e a baixa cultura digital ampliam os riscos. A alfabetização cibernética deve ser tratada como política pública, desde o ambiente escolar até o universo corporativo, promovendo uma sociedade mais preparada para lidar com os riscos digitais.
O combate ao “novo cangaço digital” exige visão estratégica, governança inteligente e cooperação institucional. Se no passado a resposta ao cangaço exigiu força policial e repressão direta, hoje a proteção do ambiente digital requer regulação eficiente, infraestrutura tecnológica, capacitação e engajamento coletivo. O Brasil precisa avançar com urgência para proteger seus dados, seu mercado, sua soberania e, acima de tudo, sua população conectada.