Inovação Digital e Tecnologia na Centralidade do Cliente

A dificuldade em ser criativo nos dias de hoje: até que ponto a destruição criativa é ainda possível?

Jamil1003

Poderíamos dizer que mais esta inspiração do notável Joseph Schumpeter é perpétua: o espírito da destruição criativa. Em uma análise de concepções marxistas de substituição de meios de produção, Schumpeter descreveu e definiu um ambiente de mudanças onde verifica-se a substituição de inovações. Um ciclo de inovações substitui a anterior. Portanto, temos um processo de inovação frequente, de criar “destruindo” o cenário anterior.

Interessante alcançar este ponto quando verificamos as dificuldades encontradas por alguns projetos baseados em análise de dados e inteligência artificial nos dias atuais. Tanto no avanço dos passos iniciais obtidos, quanto no desenvolvimento posterior, sempre chegam sinais de dificuldades crescentes, desafios adicionais ou inesperados a serem enfrentados, da ausência, em geral, de uma cultura que aceita que estes projetos são, simplesmente, inovadores.

Em que pese termos evoluído imensamente no desenvolvimento e aplicação de métodos para projetos inovadores, considerando a metodologia de projetos como inovação e/ou os resultados dos projetos como inovações, as situações de riscos permanecem. Que tal observar quando se traz um método inovador, sem comunicação efetiva, e o cliente “estranha” a nova forma, afastando-se da oferta de serviço? Que tal observar, por exemplo, uma mudança de produto que absorveu horas técnicas, protótipos, testes e, da mesma forma, passa despercebida por quem usa e avalia os benefícios, equacionando o valor agregado da oferta? 

Estas situações se relevam ainda mais no período de demandas intensas que vivemos, vindo do ambiente VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) para o BANI (de Atrito, Ansioso, Descontrolado e Incompreensível). Mudanças rápidas são pedidas, requeridas ou esperadas por clientes e cidadãos, enfrentando problemas repentinos e indeterminados. Mas, no espaço interno das organizações, ocorre o potencial de criação destrutiva com colaboradores e parceiros que buscam novas implementações para possíveis respostas e otimizações de processos e serviços, mesmo que a geração anterior de modelo de negócios ainda não tenha se esgotado.

A afirmação das ciências de dados e da onda atual de IA só fez acelerar tais movimentos. Alia-se a estes eventos, por si só já de dimensionamento e compreensão bastante difíceis, as atuais tendências de comportamentos e ações incertas da economia, hipoteticamente apropriando cadeias produtivas globalizadas – estes fatos extrapolam nossa análise, mas já deixo minha manifestação além de contrária, descrente com as propostas de “trazer de volta para nossas fronteiras” algum fundamento econômico nos dias atuais.

Como é nossa busca nesta coluna, que tal apreciar a destruição criativa algo antes do anunciado por Schumpeter, permitindo-se este colunista observar o que ocorreu com algumas obras de Arte? Será que a destruição criativa, o surgimento de uma inovação sobre a outra “causou” em outros tempos? Vejamos.

Das monumentais e decisivas Sinfonias escritas por Ludwig van Beethoven, temos a ocorrência da estreia simultânea da fantástica quinta em conjunto com a espetacular sexta. Esta apresentação, que durou pouco mais de quatro horas, exauriu os espectadores – aqueles que se mantiveram – causando um nível menor de satisfação que o esperado. Inegável comentar que a quinta sinfonia, com sua estrutura baseada em variações sobre um padrão simples de quatro notas, não somente influenciou as correntes criativas da época, mas alcança até mesmo os fundamentos do minimalismo, bem como tornou-se um jargão de comunicação de massa, uma citação familiar ligada à surpresa agradável, entre outras centenas de notações e usos rotineiros.

Gustav Mahler foi outro gênio que enfrentou, na partida com algumas de suas criações, resistências dos ouvintes. Por exemplo, na inauguração de sua quarta sinfonia, considerada até mesmo uma peça discreta diante das monumentais quinta, sexta e sétima, recebeu reações negativas da própria plateia. Se no caso de Beethoven, os problemas ligados à sua audição poderiam responder por parte das dificuldades, Mahler, mesmo sofrendo dramas pessoais, era um exímio regente e diretor artístico. Porém, na execução, em alguns casos, sua criatividade enfrentou problemas.

Outros poetas, teatrólogos, compositores e pintores enfrentaram reações negativas. A proposta dos impressionistas, por exemplo, foi descartada por falta de alinhamento cultural e padrões de rigor de composição artística da passagem dos séculos XIX e XX. Recusas de galerias de arte, exposições e eventos marcaram o caminho inicial das propostas dos artistas que criaram esta corrente. Diga-se, até mesmo a expressão “impressionismo” é atribuída por alguns pesquisadores a certo tom depreciativo relativo às obras. Ondas posteriores, como o cubismo, foram percebidas com reservas, mas com maior atenção, provavelmente devido ao que aconteceu com o impressionismo.

Se a sua proposta de inovação, que seja por IA em conjunto com dados, resulta num novo modelo de negócios ainda inédito, disruptivo, que tal pensar e analisar o que acontece na Arte? Ao lado das grandes citações, das transações milionárias, das visitações massivas em museus e galerias de arte, o começo difícil, a descrença, a falta de visão de uma quebra cultural.

E aqui temos o gancho final deste texto: a cultura. Quando falamos, no início do texto de uma perspectiva de destruição criativa, pela geração de uma nova onda de inovações que substituirá o ciclo anterior, ensejamos um espírito, uma mente organizacional orientada à inovação e capacidade de inovar. Alcançar este nível não é simples, não é unidirecional e nem se obtém de uma só vez.

Inovações trazem no seu escopo, o risco a ser enfrentado. Imagine que Mahler ouviu algumas vaias…

Os riscos de desagrado, de substituir com quebras de ritmo e paradigmas algo que funcionava, que era aceito, pode resultar em negativas dos clientes e parceiros em um determinado momento. Difícil perceber ou fazer perceber que a ruptura ali proposta é para gerar um novo ciclo de oferta de valor, uma nova dinâmica em que esta ruptura é apenas um ponto de partida.

E, depois que uma inovação se estabelece, tornando-se um produto conhecido, que tal pensar na próxima geração? “Mas já?” pode ser uma pergunta tentadora. Afinal, obter-se uma nova situação ou estado de desempenho, de oferta, de diálogo com o mercado é um processo demandante, arriscado e demorado. Entretanto, a definição de uma cultura inovadora reside exatamente aí: desejar inovar sempre.

Foi assim com os artistas, é assim com organizações que por décadas resistem ao comodismo e buscam associar suas marcas e ações com a capacidade e sua cultura de inovar. Romper com o que está definido é padrão, faz parte, gera conflitos internos que podem ser administrados e comunicações com os agentes externos – mercado, comunidades, clientes, parceiros – que se orientam a enriquecer os relacionamentos e aumentar a dinâmica competitiva.

A Arte nos inspira sempre a considerar que paradigmas devem ser quebrados, retornos não são imediatos, uma ideia nova demora a ser devidamente apreciada e, eventualmente, algumas vaias podem acontecer. Mas há boas chances a serem alcançadas num projeto de “deep learning”, caso sejamos persistentes.

Ouça (e veja abaixo) a Orquestra Sinfônica da Rádio de Frankfurt. Já de início percebemos um “picar de instrumentos” – denominado stacatto – na abertura da Sinfonia, em que o grande Gustav Mahler inicia sua obra pela evocação lírica da natureza, fonte de inspirações para esta inovação. Adicionalmente, o compositor alterna, nos demais movimentos, referências à obras de Schubert (uma inovação baseada em outras inovações), bem como anuncia trechos da inesquecível “quinta” sinfonia, a ser desenvolvida posteriormente. Como citado no texto, foi mal recebida pelos ouvintes à época.

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