Enquanto os olhos das empresas de comércio eletrônico acompanham os desdobramentos da proposta de taxação de 20% em compras de até 50 dólares em sites estrangeiros – PL 914/24, aprovado pela Câmara e pelo Senado, agora retornando novamente à Câmara -, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) intensifica sua atuação na defesa de outro PL: o da Omnicanalidade – e o fator decisivo pode ser a reforma tributária.
O Projeto de Lei Complementar PLP 148/2019, conhecido como Lei Omnichannel, trata sobre a incidência e o creditamento do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) nas vendas multicanais. Na prática, o PLP isenta de ICMS as operações de transferência de mercadorias entre os estabelecimentos que operam comércio multicanal (integração entre lojas físicas e online).
O texto define como multicanal a compra e venda não presencial de mercadoria com possibilidade de retirada, troca ou devolução em um estabelecimento físico do vendedor ou de terceiros credenciados. Pela proposta, qualquer empresa contribuinte do ICMS poderá ser habilitada como estabelecimento credenciado, mesmo que não seja do mesmo grupo econômico do vendedor.
A isenção do tributo também valerá para devolução ou troca de produto pelo consumidor final. Nesse caso, o estabelecimento que fizer a devolução para o vendedor principal será creditado referente ao ICMS dessa transação.
“Basicamente a proposta do PLP 148/2019 é atualizar a nossa legislação sobre o ICMS, alterando a Lei Complementar nº87, de 1996 (Lei Kandir). Hoje aplicamos uma legislação pensada para um mundo analógico, com uma série de empecilhos ao desenvolvimento de atividades integrativas de canais, ou que burocratizam esse processo”, afirmou Guilherme Martins, diretor jurídico da Abcomm e sócio do Mazzucco & Mello Advogados.
Durante conversa com a Inovativos, Guilherme falou sobre os benefícios que a eventual aprovação do projeto traria para o setor, explicou a situação atual da tramitação do PLP no Congresso e revelou os próximos passos da Abcomm em relação ao tema e a outros assuntos prioritários. Confira a entrevista:

Inovativos – O PLP 148/19 encontra-se em tramitação desde junho de 2019 e a última ação legislativa é de dezembro de 2021, quando foi aprovado um requerimento de regime de urgência para sua apreciação. Qual a situação atual do projeto no Legislativo e as razões para a tramitação estar estagnada?
Guilherme Martins – Esse projeto é de autoria do ex-deputado federal Enrico Misasi (PV-SP). E isso já explica o fato do PLP não estar tracionando, já que o Enrico, apesar de um grande deputado, não foi reeleito. Então o PLP, de certa forma, ficou órfão. Precisaria de outro deputado que se interessasse pela pauta para que ela voltasse a ganhar tração. Além disso, outro ponto que ajuda a explicar a estagnação é a própria Reforma Tributária, que extingue o ICMS, ainda que num horizonte de médio prazo. Dessa forma, já que num período de transição de dez anos o ICMS deixará de existir, pensando em apelo político, se tornou ainda mais desafiador.
Inovativos – Mas quais medidas a Abcomm está adotando visando dar maior celeridade à tramitação? Como está o processo de articulação política no Congresso?
Guilherme – A Abcomm atua em diversas frentes junto aos órgãos públicos, e que não se limitam ao Legislativo. A entidade frequentemente participa de reuniões do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), integra o Fórum de Competitividade do Varejo no âmbito do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e se reúne com outras associações do setor, quando sempre apresentamos essa pauta. Inclusive a Associação Brasileira de Logística (Abralog) firmou uma parceria com a Abcomm para tentar tracionar o PLP.
Inovativos – Quais benefícios o PLP 148/19 pode trazer para o setor como um todo, considerando empresas e consumidores?
Guilherme – Para as empresas, são vários benefícios, a começar pela transparência das regras. Muitas pessoas comentam que já viram um pick up point (ponto de coleta) com integração da logística reversa (compra em um lugar e devolve em outro). No entanto, isso se dá de duas formas: ou assumindo riscos, ou fazendo via regime especial. E em nenhum dos cenários isso é bom. Acontece que, se você tem poder e influência política, talvez consiga um regime especial que te autorize a operar de certa forma. Mas se você não tem, terá que seguir a lei, que é desatualizada. Além disso, há um problema de ordem concorrencial – já que o pequeno não consegue implementar uma política de omnichannel, enquanto o grande consegue. Para o consumidor, o impacto dos benefícios é até mais claro, já que o omnichannel lhe trará uma experiência de consumo otimizada e com conveniência.
Inovativos – Para o consumidor, a lei, se aprovada, poderá agilizar a devolução ou troca de mercadorias. Mas, sob o ponto de vista das empresas, há desafios. Um deles é criar uma rede de parceiros para pequenas e médias empresas de e-commerce, algo que apenas os grandes possuem. Como equacionar isso?
Guilherme – Esse certamente é um desafio das pequenas e médias empresas de e-commerce. Os grandes, naturalmente, já possuem capilaridade para oferecer uma variedade de pontos de devolução, seja por modelo de franquia ou por lojas próprias. Mas o que estamos vendo acontecer é que diversas startups já estão se movimentando para criar esse ecossistema de parceiros que o pequeno, sozinho, não consegue.
Inovativos – Quanto o setor de e-commerce poderia crescer com a aprovação da Lei Omnichannel?
Guilherme – É difícil de se estimar com exatidão, mas temos algumas percepções. Entendemos que o destravamento das operações omnichannel traria principalmente os pequenos para a omnicanalidade. São essas empresas que atualmente não conseguem ter uma operação integrada. A Lei Omnichannel tem um potencial, em um prazo de dois ou três anos, de gerar um crescimento de 10% a 15% nesse tipo de operação.
Inovativos – Em países como Estados Unidos e China, por exemplo, a omnicanalidade já é bastante difundida, mas no Brasil ainda não, principalmente devido à legislação tributária. Como funciona a regulamentação nesses países? Ela serviu de inspiração para o PLP 148/19, de alguma forma?
Guilherme – Operacionalmente, sim. Mas o modelo tributário, naturalmente, é completamente distinto. Os Estados Unidos têm uma condição tributária muito singular. Lá, cerca de 80% da fonte tributária é da renda, sendo que eles tributam muito pouco o consumo. A China, por sua vez, tem um modelo semelhante ao que estamos adotando na Reforma Tributária com o IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Inovativos – Quais os próximos passos da Abcomm em relação ao tema e a outros projetos prioritários para o setor?
Guilherme – Continuaremos atuando em diversas frentes junto aos órgãos públicos e nos reunindo com outras associações para tentar tracionar o PLP. Hoje, parte da atenção está voltada para a Reforma Tributária, além da tributação das importações de pequeno valor por pessoa física (PL 914/24). Este ponto em específico, apesar da Abcomm não ter uma posição institucional fechada, é um tema de atenção, já que tem um impacto potencial muito grande para os nossos associados e para o setor como um todo. Mas trata-se de uma situação muito complexa, com questões de ordem aduaneira, concorrencial, tributária e do viés do consumidor. Nessa equação, temos que achar um ponto ótimo. Não podemos ignorar o problema concorrencial e os reflexos para o mercado interno. Ao mesmo tempo, não podemos sufocar a nossa aduana e também onerar em demasiado nosso contribuinte.
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